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1
BUILDING
USE OJNLY
FABULAS
D E _^ -
E S O p d .
TRADUZIDAS DA LÍNGUA GREGA
G)m Applicaçõea Moraes a «da Fabula ,
Por MANOEL MENDES da VIDIGUEIRA.
SegaaJ^ EJifaS ttrrttta , t tmeitdaJa, .
■~L I S B O A ,
Na TyfoqraPia Rollandiana*
I 7 9 I.
Çêtn licença da Retit Meza ia CnitmiísaS õerel
jfíre « Extme , e Ctatar» in Livrti_.
cr? -r ry
OVO
/73/
F
OI tftxado c(!e Livro cm papel a cen-
to e cincoenta réis : Mcza 3 de Março de
1794.
Cm tr€$ Rutríeau
PROLOGO
D o E D I T o R.
X ODOS sabem quanta im-
pressão fazem nos ânimos dos
homens as verdadeiras repre-
hensões encobertas com hum
véo de galantaria. Os homens
indo gostando da singeleza das
expressões j do delicado dos
conceitos ) do deleite que se
encontra nestes escrhos , be-
bem juntamente a moral ^ e ^
Invectiva que se faz aos seus
costumes sem os escandalisar.
Nada pois he mais útil , e in-
teressante do que as Fabulas,
as Novellas , todas as vezes
* U que
IV
que saõ compostas de sorte,
que delias se possa tirar a mo>
ral. Saô reprehensiveis , e in-
dignas de estarem contadas no
número de obras, aquellas com-
posições, onde senaõ descor-
tina a moral , como hum te-
cido de ridicularias sem or-
dem, nemmethodo, homens
voando , e estatuas aliando.
Semelhantes assumptos naõ se
devem consentir na República
das letras ; naõ emendaõ os
costumes , antes os corrom-
pem , pervertem a Religião,
em lugar de a fazer mais res-
peitada , e venerada. Deste
oeoero de escritos temos nós
na
na nossa língua hum sem nú-
mero delles 3 já de baixo do
nome de Novellas , já com o
fantástico nome de Comedias ,
e Operas , donde naõ tiraõ os
leitores mais do que corrup-
ção , idéas extravagantes, ar-
tifícios mágicos ) lances im-
plicados , impossibilidades , e
nada mais ; e devendo emen-
dar os costumes , maiores per-
versidades , e desordens fo-
mentaõ , ensinaõ , e introdu-
zem.
Aquellas novellas feitas
com arte , e com gosto tem
brotado de si fructo saboroso ,
e sadio \ tem pulido muitas
na-
VI
nações , desbastado as per-
versas desordens , e raáos cos-
tumes de muitos homens, em
fim tem emendado muita gen«
té. Os sábios tem remontado
a origem da Fabula á inven-
ção dos caracteres simbóli-
cos ) e de hum estilo figura-
do , isto he ) á invenção da
allegoria. Estas allegórias redu*
zidas a huma acçaõ simplice ,
a huma moralidade certa , saõ
commummente attribuidas a
Esopo. Quem seja o Author
delias , está em opinião para
muitos Authores^ , huns dizem
que he Hesiodo , outros Ar-
diiloco i alguns dizem que
as
às fábulas vulgarmente co-
nhecidas com o nome de Eso-
poj saõ fabricadas por Socra*
tes ; em fim seja quem for o
Author , as obras naõ tem mcr
recimento por serem feitas
por este 3 ou por aquelle ,
em si he que tem o valor.
As Fabulas de Esópo tem
na verdade muito merecimen-
to , servem de grande utilida-
de para a mocidade , para to-
dos ; porque bebendo estes
contos juntamente com o lei-
te , criaõ na alma sentimentos
honrados , idcas grandes j co-
nhecimento de si mesmo, do
que saõ 3 e do que, pódetn
vir
VIU
vir a ser : saõ como huns es-
pelhos ) em que compõe as
suas acções. Saõ finalmente
as Fabulas aquellas , que ensi-
naõ a formar o juizo , e os
costumes dos meninos.
Póde-se de Esopo dizer
o mesmo que de Homero , que
se ignora a sua verdadeira pá-
tria ; ainda que a opinião
mais seguida o faz natural de
huma aldeia da Phrigia. Viveo
no tempo de Sólon , nasceo
escraiío ; neste despresivel em-
prego teve muitos Senhores.
Aprendeo a pureza da lingaa
Grega em Athenas. As suas
viagens puliraõ j e aperfei-
çoa-
IX
çoáraõ os seus talentos ; as
respostas , que dea nos ajunta-
lâentos dos Sábios', o distin-
guirão , e b estimarão. Cresd
Rei da Lidia o chamou , e o
estimou ) o honrou » e conííou <
deíle os seus segredos. En-
viando-o este Monarca ào tem-
plo de Delfos , para oíFere-
cer • em seu nome os sacrifí-
cios" , reòitou hum discurso
sobre a natureza dos Deòses ,
que sublevou os de Delfos'
contra elle , qu© o condem-
náraõ á morte. Valeo-se de
contar a Fabula da Águia , e
do Escaravelho , intentando
por este modo movêllos á
cie-
clemência > porém tudo fbi
frustrado ; qu e o precipitarão
do cume da Rocha de Hiam-
pie. Mas os Povos de Delfos
bera depressa se arrependerão
de semelhante attentado , mas
já naõ havia outro remédio
$enaõ sentillo/
Depois da sua morte os
Athenienses lembrados detap
grande homem , lhe erigirão
huma Estatua; diziem que feita
por Lizipe. Taõ grande foi o
sentimento da sua perda em
toda a Grécia , tanto se cho-
rou a sua morte , que os Poe-
tas para consolarem os Povos s
se valêraõ do fanatismo de
di»
xt
dizerem que tinha resuscita*
ào. Taõ lamentável , e de
quaõ tristes consequências he
a falta de hum homem de es-
pirito em hum Estado ! E
quaõ pouco ponderaõ esta
máxima aquelles , que tantos
perdem !
Naõ temos todas as Fa-
bulas de Esopo ; os Antigos
daõ-nos noticia de algumas ,
q)ue nos faliaõ ; mas os Gre-
gos as tinhaõ todas , e lhes
eraõ bastante famaliares ; tan-
to , que quando queriaõ taxar
com a infame mancha de ig-
norância a alguém , dizia-se :
Este homem naÔ conhece Esopo,
Que-
Querendo pois imitar este taÕ
célebre provérbio dos Gre-
gos , me animei a reimpri-
mir esta pequena colleçaõ de
Fabulas as mais conhecidas
de Esopo ; porque estando
na nossa língua ) com a sua
moralidade, serve este Livro de
utilidade a todos- aquelles , que
naô tem maiores conhecimen-
tos ; e se haõ de gastar o tem-
po em obras pueris , extrava-
gantes , de baixo de cuja fic-
ção naõ ha moral , antes ve-
neno , he justo que o apro-
veitem lendo livros , que con-
corraò para fazerem os homens
lúelhoreS) naõpciores.
' VI-
Uflá&(ífegXp^(á^ixg<^
VIDA
DE
E S O P O.
E
iSOPO Fabulador antigo 9 e fa-
mosíssimo , segundo as mais opi-
niões , foi oacural de Phrigia ,
Provinda de Ásia , nascido em
buma Aldeia por nome Amem.
As feições do corpo eraõ mais
-monstruosas > que humanas » por-
que além de ter o rosto feio » e
deforme > erazambro, corcovado»
e corpo pequeno , a cabeça gran-
de f fora de* proporção > e sobre
tudo tartamudo. Mas como a na^
curaza a cada bum deo particular
. ** do-
xir V I DA
dote 9 foi Esopo dotado de taõ
agudo engenho > que coni a alte-
za delle se lhe apagarão bastante-
mente todas as faltas corporaes.
Sendo cativo por Gregos ,
veio a Atbenas » onde servia a
hum Cidadão rico por nome Aris*
tes com outros ct\\ huma horta »
de cavâr » e adubiar : onde co-
mo todos o maltratassem , ,e des*
prezassem , e o maioral dos traba-
Ihadòres lhe desse muitas panc^«
das, queixava^se Esopo, dizendo»
que faria queixumes daquelle ag*
gravo a i^eu senhor Aristes» e de
outros crimes que no maioral ti-
oha notado > o qual com este me«
do se adiantou , e persuadio a
Aristes que para quietação de
seus escravos » tirasse a Esopo
de entre elles » e que o ven^
desse. Fêllo Aristes assim > e o
yen-
DEESOPO. xr
vendeo a bum mercador grossa
forasteiro > que alli mesmo residia,
o qual o levou a buma casa , on«
de tinha outros muitos , que i
quando o viraõ > tiveraõ asco de
andar em sua companhia* Hum di-
zia que era bom aquelle escravo
para fazer callar meninos > outros
que para servir em casa de homem
cioso , e outras muitas cousas des-
ta maneira.
Acaso mandarão em presente
ao mercador hum prato de figos
formosos > que elle estimou poc
«erem fora de tempo » e mandou^
os pôr a bom recado , para co«
tner em principio do iantar. Três
escravos tentados da gula se con-
jurarão para comerem os figos,
c porem a Esopo a culpa , crendo
que culpado por três testemunhas
nad poderia defeoder-se. Assim os
CO-
xYi VIDA
comêraõ com muita festa i 2om*
bando do pobre inaocence » que
com açoutes os havia de pagar*
Chegada a hora de cometi pedio
o Senhor os figos , e foi-lhe res-
pondido (como' tinbaõ concerta*
do ) que Esopo os comera todos.
Indignou-€e o Senhor , e chaman*
do-^o lhe disse : Animal feio » e
bruto 9 que atrevimento foi o teu
em comeres os figos > que man-
dei guardar para mim ? £ com is-
to o mandou despir para ser açou-
tado. O pobre Esopo naõ saben-
do que fizesse > porque a lingua
naõ o deixava desculpar em bre-
ve > e a cólera do Senhor naô da*
va tregoas » nem espaço , remec-
teo com huma panei la de agua»
que acaso estava ao fogo , e be-
bendo quantidade ' delia muito
quente ^ mecceo os dedos na boc*:
ca.
DE ESOPO. XYii
ca > com que revolveo ò escòma**
go s e a torooa a laaçar clara >
mostrando estar em jejum > com
o qual feito desmeotio seus acca*
aadores. Maravilhado o Senhor des«f
ta industria > e vendo sua innocen^
cia > obrigou, os outros a que fi^
zessem o mesmo , e como se com**
prtsse , os que comerão figos > os.
vomitarão com a agua juntamente»
e foraõ por isso > e pelo falso tes«
tem unho castigados.
Convinha ao mercador partir-
se dalli três jornadas > onde se ha-
"via de embarcar para a (lha de
Samos , e faltando-lhe bestas de
carga > foi forçado repartir o fa^
to pelos escravos. Mas como Eso-
jpo era pequeno > e fraco > deo«
lhe a escolher a carga , que se
attre vesse a levar. Era o m&is pei»
2ado fardo de todos haÍDaa canas-
♦^ tra
xviii VIDA
tra grande cheia de mantimentos
a qual elle escolheo » riodo-se to^
dos f e cuidando que naõ poderia
levalla : partirão seu caminho , e
como no fim da primeira {ornada
eomessem » alliviáraõ hum pedaço
a canastra » com que ficou igual
dos outros ; mas ao segundo dia
a despejarão de todo > e levando-a
.Vâ2ia 9 conhecerão todos o seu
erro $ c a manha discreta, cool
que Esopo escolheo a carga.
£mbarcou-se o mercador , e
chegou a Samos , onde poz sua (^
2enda em almoeda , e os escra<
vos juntamente. Estavaõ em huns
alpendres , onde a feira se. fazia >
Esopo com dous companheiros »
e ntfigucm fazia delle caso para o
comprar > inda que muitos o olha*
vaõ por riso. Chegou hum Cida«
daê ) e perguntou a hum doa;
com«
' DE ESOPO. xit
companheiros que sabia fazer pa«
ra o comprar ? Respondeo*Ihe i
Senhor » tenho mmtas partes, sei
pensar' cavallos bem » e servir em
tudo o de casa> sou grando hor«
telaõ , e bom lavrador » e em to*
da a coQsa de campo ningueoi
me fará vantagem i também soa
bom ferrador » alveitar, e enten-^
do de ferreiro. Com isto chegoa
a outro » e pergontou-lbe o mes*
mo » respondco : Eo > Senhor , sou
destro em todas as cousas necessa*
rias > e nenhuma me mandarão
fazer > a que naõ dê bom expe-
diente. Correndo mais adiante , per*
gantou a Esopo que sabia ? Res^
pondeo : Eu nada set , porque co^
mo meus parceiros tomarão o sa«
her de tudo , naô me ficou que
saber a mim« Distg riraõ muito
codos os presentes , e hutn Phi^
** ii lo-'
XX VIDA
losopho > por nome Xanto^ que
alli passeava > o comprou » e le-
vou para sua casa: o qual como
hum dia com seu novo escravo
fosse passear por huma horta, ú
hortelão lhe fez esta pergunta :
Dizei-me ,. Senhor , que razaõ ha
para que cresçaõ , e seiaõ sempre
viçosas as hervas > que esta terra
çría , e as que eu semeio , cavo >
rêgo , e adubío t se murchem
mais prestes , e fructiâquem me-
nos. Ficou atalhado o Philoso-
pho , e naõ soube responder ; o que
Esopo vendo , lhe disse de parte ,
que elle satisfaria á pergunta > por
tanto que lhe commettesse a car-*
go o dar resposta » entaõ o Phi*
losopho disse contra o hortelão :
Naõ I he dúvida essa para se pôc
a hum homem como eu , este es-
cravo» ^ue 9qui vem» responde-
rá
D E E S o P o. XXI
tá e elia ; e logo lhe mandou qae
respondesse. A-razaõ da dúvida,
disse Esopo > be esta : As hervas»
que a cerra voluntariamente pro«
duz > saõ filhas suas , e como taes
as cria > e conserva s as que vós
semeais saõ enteadas » que a ma-
drasta nunca com tanto gosto as
alimenta : por tanto naõ he de es^
pantar » se nos próprios filhos se
enxerga vantagem no mimo , e
criação diíFe rente dos enteados.
Satisfez-se o hortelão > e espan*
tou-se o Pbíloscpho do engenho,
e agudeza .do criado.<^
Tinha Xanto muitbs discípulos
homens graves , e costumavao
huns a ootros banquetear-se« ,Quíz
Xanto dar lhes hum banquete, e
porque tinha a mulher áspera , e
pouco aíTeiçoâda a obedecer-lhe ,
nem querer agazalhar os hospedes ^
de-
xxxi VIDA
depois de comprar o necessário^
encarregou a Esopo de concertar
a casa » e a meza. Aconteceo que
chegando* se as horas da cea co«
meçou elle a preparar seu aposen^
to i e com muita limpeza ordenoa
a meza » e poz nella algumas cou«
$as 9 antes que os convidados vieS'^
Siem 9 nem seu amo. Era tempo
frio > e havia na casa hum bra*
feito grande com fogo > ao qual
a mulher chegou a aquentar* se
carregada » e de máo semblante,
e encostou^se ao longo delle » com
as costas para a meza. Esopo lhe
pedío quizesse olhar para a meza »
naõ lha descoo^ozesse algum caõ ,
òu gato ; ella disse que o faria :
segunda vez lhe rogou o mesmo ,
e que virasse o rosto para ver $
do que ella indignada respondeo »
j^ue an4asse cm má bora^ ç naé
fos-
DE ES O PO. xxiii
fosse im por tono f qoe cambem tU
nba os olhos detraz. Calou*se
Esopo > foí-se > e tornando dabi
a pedaço % como a achasse dor-
mindo f mansamente descobrío o
lugar» em que ella disse que os
olhos estavaõ. Naõ tardou muito
Xantò com seus hospedes , que
entrando no aposento > viraó mui*»
to bem quanto mal composta a
mulher estava » e ficou affrontado
o PhNosopho 9 e perguntando a
causa a Esopo » elle lhe contou o
que se passara % de que se indt-
gnou mais ; e acordada a s^hora %
se foi muito vergonhosa , e com
grande ódio contra Esopo.^
Corridamente agasalhou Xanto
seus discípulos » e logo propoz de
lançar de casa Esopo : mas sendo
convidado delles outra vez, , e
ceando largamente > como se es-
. quen-
VIDA
queaca^se com o vinho mais do
necessário > começou a fallar de*
masias > e entre ellas affirmou qne
beberia o mar todo.- contradisse-
raõ os discípulos > e elle porfiou %
até que apostarão grande somma
de dinheiro » e Xaãto deo de si->
nal o seu annel. Ao outro dia >
resfriado já do furor » achou o
annel menos ^ e perguntou poc
elle. Respondeo Esopo : Como j»
Senhor » naõ vos lembra ique o
destes hontem de signal sobre a
aposta, que íizestei de beberdes o
mar todo ? Como he possível > dis^
se Xanto , que eu fizesse tal pro-
posta*^ , ou quem pode beber o
mar ? Isso naõ sei > disse Esopo ^
mas vós apostastes. Ficou Xanto
confuso da aposta ^ que fizera »
sem lhe poder achar sahida , até
que Esopa > ventio-o taõ triste^
lhe
DE ES O PO. .xxT
lhe disse: Senhor, naõ vo9 agasr
teis , descançai » que eo vos tira4
rei dessa affroDta , e &rei que ga^
fiheis o preço. Alegrou-se com isco
Xanto > e vindo o dia limitado»
vieraõ os discípulos a dizer-lhó
que cumprisse o que ficara , ou »
dando-se por vencido , j^agasse o
preço. Xanto respondeo que era
contente , e informado por seu es*
cravo do que h;^via de fazer > se
foi com elles á borda do maf »
onde pozera a meza > e copos s
estalido em roda agente toda da
Ilha 9 que se abailoo a vêr mara«
vilha tamanha , como era querer
hum homem recolher o mar em
seu estômago. Prestes todo one*
cessario» começou Xanto afallar
ao povo , dizendo :. Varfies de
Samos , eu apostei com estes dis?
cipuios.que havia hoje de beber
es-
xxvi VIDA»
este mar todo ; respondaõ elks sé
he verdade t e se bebendo<»o eo ^
camprirei o promettido > e elles
se datáõ por vencidos f Todos
responderão que sim* Disse enta6
Xanto : Pois que assim he > e ea
fiquei de beber o mar 9 prestes es«
tou a cumpríllo ; mas elles ha6
de cerrar primeiro todos o riosA,'
que no mar entraÔ > e eiitupU^)
lhes as boccás ^ porque eu aié
obriguei a beber o mar » mas nafi
a multidão de rios » que entra5
nelle: portanto» se querem qneea
cumpra o que fiquei 9 he forçoso
que eiles primeiro impidaõ a cor*
rente de quantos rios fazem pa*
ra aqui seu curso. Naõ souberaõ
responder os discípulos a isto > eo
povo louvou muito, a resposta do
Philosopho , e todos o deraõ por
livre da aposta 9 e tornou para ça«»
sa
DE ES O PO. xxvii
Sfl fnais acreditado 9 que de aotes;
Ootros tnoitos casos succedêraõ
a Esopo com Xanto » que deixo
por brevidade » até que veio a
ser livre » e governar a Samos »
onde cotnpoz ero liogua Grega
este volume de Fabulas $ que ain*
danaõ foraõ traduzidas.
Depois como o Rei Cresso da
Lidía quizesse conquistar Samos »
por seu conselho , e industria , se
defenderão os vísinhos muito tem^
po : porém vçndo-se muito aper-^
cados 9 e que Cresso ofTerecia a
paz 9 se Ibe entregassem Esopo s
éersíõ-lhOf ainda que Cresso naõ
guardou depois palavra 9 como
Esopo. antes tinha adivinhado 9 e
Jogo os poz em suie!ça6. Naõ
quiziCresso v^tãr a Esopo 9 antes
o tinha ^lif^ua casa favorecido 9
porque ise âpidava muitas wzes dq
seu
xxviii VIDA
seu conselho » e habilidade. Cos«
tumava-se naquelle tempo nas par«
tes Orientaes mandarem os Reis
huns a oatros enigmas » ou adi*
vinhações » as qoaes se oaõ as
declararão » ficavaõ sens tribo ta«
rios ? e já f^or amor de Esopo »
CQJa fama era conhecida > nin^
guem ousava mandar a Crespo aU
guma s com todo o Sòldaõ de
Babilónia lhe mandou huma con-
fiado em sua dificuldade : veio
hum Embaixador» e disse: O Sol-
dâ6 de Babilónia , meu Senhor »
te manda dizer que lhe deis hum
official 9 que lhe faça huma torre
com o alicerce nas nuvens » c
que vá crescendo para baixo , e
se naõ podes ou naõ entendes »
lhe mandes o tributo » conforme
a nossa usança. Pasmo^iEl-Rei da
pergunta » e todos os Sábios de
Ba-
DE ESOPO. xxh
Babilónia emmodecêraó i pon
Esopo se oífereceo a Cresso q
elie a faria. E EI*Rei com grane
promessag o* mandou com o E
batxador. Chegando a Babiloi
depois de repousar > pareceo ar
o Soldaõ , e da parte d'El-B
Cresso lhe requereo que signali
se o lugar > onde a torre quer
Foi lhe mostrado iunto da Cida
ao longo do Eufrates. Recolhe
se Esopo > e mandou £izer hur
arca de piadeira pequena , e qi
drada , que tinha nos quatro câ
tos quacro cadêas » e a cada hur
estava preso hum Buitre , e tin
também em cada canto huns e
caixes 9 em que podia metter hui
asteas isto mandou levar ao cai
po em o dia aílignado, e á v
ta do Soidaõ , e da maior pai
da Cidade s pondo-se em
der
nxx VIDA
dentro no caixão , qae oa6 tinha
tampa > nos encaixes dos cantos
levantou quatro espetos > cada
hum com sea pedaço de -^carne:
logo os Búitres por alcançalla c6«
meçáraõ a voar , e levantar juntar
mente a caixa a que estavaõ pre«
zos > e como naõ chegavaõ á car«
oe voáraõ tanto que se vio Eso-
po oiuitoalto» e entre as nuvens i
iogo de lá com grandes brados
começou a pedir ao Soldaõ que
lhe mandasse pedra e cal t ç co-
meçaria o alicerce / naõ havia
quem iha levasse > pelo que ( de-
pois de fazer bastantes rçqueri^
mentos $ e protestos ) tirou os es-*
petos da carne » e os dependurou
do caixão , por onde os Duitres
logo se abaterão para a tomarem»
e o puzeraõ em terra. Deo-se o:
Soldaõ por vencido s e quando
quiz
DE ESOPO, xxxi
quiz o deixou tornar a Lídia com
rribiito para o Rei Cresso » que o
recebeo muito bem » vendo -se por
sua indústria mais honrado../
Viveo Esopo em Lidia mnito
favorecido » e depois correo toda
a Grécia , onde lhe soccedêraÔ vá*
rios casos » que aqui se naõ con**
ta6. Mas em todas as partes, por
sua fama , e sabedoria o venera-
rão , só em . Deiphos naõ usáraõ
com elle esta cortezi?, e primor*
£ conhecendo ter errado , porque
elle na6 os aíFrontasso infamando*
os f t divulgando em Grécia sua
descortezia , determinarão matai*
Io , e accrescencando hum mal a
outro , Ihe^ levantarão certo íàlfo
testemunho » porque o condemná-
i^aõ a ser despenhado.; e com mui«
ta brevidade i sem lhe valer allegar
sua innocencia y foi posto sobre o
cu-
xxxii VIDA
cume de hatna alça rocha , e lan-
çado dalli t chegou a baixo em
mil pedaços. Todas ^ Cidades
Gregas, e Repúblicas sentirão mui^
to a sua morte, e potico tardou
que Delphos íbi destruida em vin--
gança , segundo dizem , desta ín-
iasçi^a , e trahiçaõ. ^
FA-
^ii£fc-:fe3b-A-x-rf;-Aai;-feat:--airi?
F A B U 1. A I.
O Gallo, e a pérola.
•A>
IfNDAVA o Gallo esgraratando
no monturo , para achai- migalhas f
ou bichos , que comer , e acertou
de descobrir huma pedra ; disse en-
taõ : O Pedra preciosa , ainda que
em lugar cujo , se agora te achara hum
discreto Lapidario , te recolhera ; mas
a mim nao me prestas : mais caso
faço de huma migalha , que busco
para meu sustento , ou dons gi^os de
cevada. Dito isto , a deixou , e foi
por diante esgravatando para buscai;
conveniente mantimento.
MO-
1 FABULAS
MORALIDADE.
<í Os NÉSCIOS despresando os Íjq^
>j cumentos proveitosos , e doutri--
3> na moral , que debaixo das Fà-
» bulas se çncoJbre , f^en\ o. que fez
99 este Gallo 3 ^buscaó cousas baixas ^
j> cevada , e migalhiniias j convém
>» a saber , a casca das cousas , e as
v historias deste Livro , e despresaó
»> a pedra preciosa da doutrina , due
99 neilas Esopo nos q^iz ensinar, baõ
3tj os namorados de Penélope , que
n deixavaô a senhora , e namorava6->
99 se dás. criadas. Para que nós naõ
99 sejamos do número destes , vamos
9> de cada Fabula tirando huma li-*
99 çaõ moral , tocante ao bom go-r
*9 verno de nossa vida. 9>f
*-^
FA-
DE ESOPO.
F.ABULA II.
O Lobo, e o Cqrdeiro.
^^ ,
ST A VA bebendo hum Lobo en-
.carniçado em hum ribeiro de agua,
*e pela parte debaixo chegou hum Cor-
.deiro também a beber. Olhou o Lo-
bo de máo rosto , e disse , rega-
.nhando os dentes : Porque tiveste tan-
ta ousadia de me turvar a agua , on-
de estou bebendo r^ Respondeo o Cor-
4eiro com humildade : A agua cor-,
re para mim , por tanto naò posso
eu rorva-vo-la. Torna o Lobo mais^
colérico a dizjpr • Por isso me has de
Çraguejar ? ^is mezes haverá que me
fez outro tanto teu Pai. Respondeo
o Cordeiro : N<?§se çempo , penhor,
ainda eu naõ era nascido , nem te-
nho culpa. Sim tens , replicou o Lo-
-bo , que todo o pasto de meu cam-
*po estragaste. Mal pôde ser isso , dis-
^e o Çotimo ,.pprqu^ ^i^da^ naó tjp-
i ^ A ii "^ ' nho
4 FABULAS
nho dentes. O Lobo , sem mais ra-
zões , saltou sobre elle , e logo o
degolou , e o comeo.
MORALIDADE.
« Claramehte mostra esta FabiH
s» la que nenhuma justija , nem ra-
» z6es valem ao ínnocente , para o
3) livrarem das mãos do inimigo po-
j) derpso , e desalmado. Poucas Ci-
j) dades , ou Villas ha , onde naã
ji haja estes Lobos , que sem cau-
9» sa , nem razaô , matai ao pobre,
it e lhe chupaft o Sangue , só por
ty odiO; ou má inclinação. »,.
FABULA III.
O Lobo » e as Ovelhas.
H.
L AVIA guerra travada entre Lo-
bos , e Ovelhas ; e ellas , ainda que
fracas , ajudadas dos raieitos , seat>
pre
DBESOPQ, 5r
Íre levavaò o melhor. Pedírâ6 os Lo-
05 paz , com condição que dariaó
de penhor seus filhos ^ e as Ovelhas
que também lhe entregassem os rafei-
ros. Assentadas as pazes com estas
condições , os filhos dos Lobos huir-
vavaò rijamente. Acodem os Pais, e
tomaò isto por achaque de ser a paz
quebrada ; e tornaó a renovar a guer-
ra. Bem quizeraõ defender-se as Ove-
lhas ; mas como sua principal força
consistia nos rafeiros , que entrega-
rão aos Lobos , facilmente foraô dei-
les vencidas , e todas degoladas.
MORALIDADE.
<€ Ensina esta Fabula que nin*
9 guem entregue as armas a seus ini-
j migos , antes tenha a paz por sus«
9 peitosa y quando com sob cabeça
>. delia lhas pedem , e recee de ser
9 tomado ás mãos como as Ovelhas.
9 Também nos avisa , quanto peri-
9 go he mettcr em casa inimigos^
> nem filhos de inimigos , como fi^
I
6 rA B UE AS
5> zera6 as Ovelhas , que querendo;
^ estar mais seguras com terem oS'
5) filhos dos Lobos em casa , ellès*
5í foraó causa da^sua destruição* >>,, '
FABULA IV.
O Rei dos Bugios , e ixdus Homens»
c
AMINH AV AÒ dous companhei-»
ros , tendo perdido o caminho , e
depois de lerem andado muito , che-*
gáraõ aterra dos Bugios. ForaÒlogo
levados ante o Rei , que véndo-os
lhes disse : Na vossa terra , e nes-
sa por onde vindes, que se disse de
mim 5 e do meu Reino ? Respondea
hum dos companheiros : Dizem que
sóis Rei grande , de gente sábia , e
lustrosa. O outro , que era amigo de
fallar verdade , respondeo : Toda vos*
aa gente saô bugios irraciohaes , for*
fado he que o Rei também seja Bu-*
gio. Como isto ouvio o Rei , man^
dou
DE B S O P 0>
dou que matassem a este , e ao p:
meiro fizessei^ mimos , e' ^ratasse
muito bem.
< ■ ■
' MORALIDADE.
' . €€ VÈR1FICA.-SÊ nesta Fabula o <f
9$ diz. Terêncio , que a verdade ca
$f sa ódio 9 e fallar^^á vontade gaa
f9 amigos» Com o Rei néscio naò m
9^ draó sábios , ^nem virtuosos , s
M na6 cbocarréh^es;, e lisongeiros;
à9 daqui vem no mundo , que dec
99 dinar iò os. bons &aã sofreados ,
99 obedecem aos máos. C^e o B
99 Bugio tem ódio a quem o dese
9> gana , e o que mente , como aq
99 fez o primeiro companheiro^ es
99 SÓ he favorecido. 99
\
FÁ
a FABULAS
FABULA V.
A Andorinha > e qutkas Aves.
Se;
IMEAVAÕ os homens linho , e
vcndo-os a Andorinha , disse àos ou-
tros pássaros : For nosso mal fazem
os hopiens esta. seara , que. desta se-
• mente nascerá linho , e faráõ delle re-
des , e laços pára nos prenderem. Me-
lhor será destruirmos a linhaça ^e a
herva , que delia nascer , para que es-
tejamos seguras. RíraÕ-se as Aves des-
te conselho , e naô quizeraô tomallo«
O que vendo a Andorinha , fez pa^es
com os homens , c sç foi viver em.
suas casas. Elles fizera^ redes , e .ím-
trumentos de caça , com .-j;iue tomá^
raò 5 e prenderão todos os pássaros ,
tirando só a Andorinha :, que ficou pri-
vilegiada.
MO-
DE ESO P O. ^
MORALIDADE.
• €i Na Andorinha se denota o hc-
$y mem prudente , que fica livre dos
99 trabalhos , se ' os adivinha antes
99 que venhaõ: e os que querem vi-
^> ver a seu gosto , sem tomarem con-
9y selho 5 nem preverem o mal , que
9j está por vir , sa6 caçados , e pagaá
77 sua ignorância pelo corpo.' » / r<
FABULA VI.
O Rato , e_a Ran.
D,
ESEJAVA hum Rato passar hum
rio 5 c temia , por.naé saoer nadar,
Pedio ajud4lt huma Ra , a qual se
oiiereceo de o passar , se se atasse ao
seu pé. Consentio o Rato , e toman-
do hum íio ) se atou pelo pé , e na
outra ponta atou o pé da Rã. Sal-
tarão ambos na agua , mas a Rã com,
mdicia trabalhava por se mergulhar,
por.
IO F ABUt AVSi
Í>ara quç o Ratp se, aíFocasse. O Rato
azia pbT sahir jpàra' fora , e ambos
andayaô neste trabalho, e fadiga. Pas-
sava^ hum milhano por cima , e vendo
Q Rato sobre. a a^a , se abateo pelo
^kvar, e levou juntamente a Ra , que
estava atada com eíle^ e no ar osco*
meo ambos.
JMORALLDADE. - -.
«
« Nesta Rã , re,sua mórtç , se vê
M o qucganhaô os máos , quando ar-
>9 maó trahiçaõ contra queni se fia
99 delles y porque quasi semp-e cabem
99 no mal , que a outrem ordena6 ; e
99 se oinnocente morre ^^naô escapaô
íí elles do castigo merecido j que quan-
99 do se livrarem do temporal , cahiráô
99 depois da morte em outro mais pa-
9i ra temer. >>
1
FA-
DE ES/O P o;- tr
FABULA Vn.
O LadraÕ 5 E ó CàÓ de casa.
Os
'UERENDO hum Ladratí entran
em huma casa de noite, para a
roubar , achoii á parta hum caó , que
com ladridos o impediu. O cauteloso
LadraÕ , para o apaziguar , lhe lan-
çou hum- pedaço ide.paó..Mâs o ca6
disse : Bem entendo que me dás este
£a6 porque me calle , e te deixe rou-
ár a casa , e naó^ põf anior que me te^i
nhãs : porém já que ò dono da casa
me sustenta toda a yida , naó deixa-í
rei de kdrar , senaô te fores , até que
elle acorde , e te venJia estorvar. Naô
quero' que este bocado me custe mor-?
rer de fome toda a minJia vida.
MORALIDADE.
« Quem se fia em palavras lison-^
9% geffas y oii. em;da4ivas Êúsãs^ ?iclia-
< k j> se
xa F A B U LAS .
yy se no fim enganado. Mas quem tem
>> por syspeitosas as mercês /e palavras
99 do lisongeiro cobiçoso , (como este
>> c^Õ teve as doladraõ) nao se dei-
99 ia enganar , e he leal ao senlior de
5> quem recebe mercês , como elle foi
i9 sempre a seii amo. >»
: FABULA vm.
o C AÔ , E A Ovelha. '
L) EMANDOU o Ca6 á Ovelha
cejta quantidade de paõ > que dizia
haver-lne eniprestado ^ ou dado na
sua maõ em deposito. EUa negou ha-
vello recebido. Dá o CaÕ três teste-
munhas 5 convém a saber : hum Lobo,
hum Buitre , e huín Milhano , os quaes
todos já vinhaõ com o Ca6 soborna-
dos 5 e apostados à jurar 'em' seu favor,
como com efteito juráraõ , dizendo
que • elles víraÕ receber a Ovelha o
pao , que se lhe pedia. Vendo a prd».
ta *
DE E S O P O. X3
va , a condemnou o Juiz a que o pa-
gasse y e como ella naC tivesse por
onde 5 lhe foi forçado tosquiar o vél-
lo , e vendello ante tempo , do que
pagou o que naõ comera , e ficou
nua padecendo as neves , e frios dò
inverno.
MORALIDADE.
cc Parece que já , no tempo que
99 Esopo compôs esta Fabula , adi^
99 virthava o que hoje passa em mui-
99 tòs lugares , onde roubaô aos po-
99 bres 5 e fracos as honras , e fazen-
99 das , com i[alsos testemunhos de
99 homens desalmados , conjurados pa-
99 ra roubarem o alheio. Que ém ne-
99 nhum lugar , contra bons homens ,
99 e ovelhas , faltaò Lobos , e Milha-
99 nos , que os dispaõ , e lhes chupem
99 o sangue. 99
FA^
«r4 «F -A íB UX K 9
FABULA IX.
O CaÕ , E A Carne,
L
íEVAVA hum CaÕ na boeca hum
pedaço de carne , passava com ella
hum rib , e Veado rio fendo da agua
a sombra da carne maior , soltou a
que levava ooç dentes , por tomar a
^ue via dentro na agua. Porém conao
4> rio íevou para baixQ com sua cor-
rente a verdadeira , levou também a
«ombra , e ficou o Ca6 sem huma , e
sem outra.
MORALIDADE.
<< Este Caõ significa o cobiçoso ,
5> que muitas vezes ^ por haver maio-
?> res interesses , arrisca o seu , « per-
?> de tudo y por onde diz bem o pro-*
55 verbio : Mas vale paxaro em mano>
9> que buitre bolando, n
DE E S O P O. isr
FABULA X. -
A Mosca sobre a Carreta.
s
OBRE hum carro de mulas , car-
regado ; pousou huma mosca , e achou-
se taõ altiva de ir a seu gosto alta,
que começou a íkliar soberba contra
a muh , dizendo v que andasse depres-
sa, senaõ que a castigaria , picando^
onde lhe doesse. Virou a mula o roí^
to dizendo : Calla-te , parvoa sem ver*
jonha , que oaó temo , nem me podes
azer nada ; o medo que me causa he
do carreteiro , que leva na maô o açoii-
te , que tu só com importunações pó*
des cançar-me , sem me fazer outro
maL
i ' MORALIDADE.
<c Mostra esta Fabula a natureza
99 de alguns , que na 6 tem mais que
99 lingua ^ e com dOia porfiando , e
i6 FABULAS-
m
contradizendo , canção , e importu-
naõ a todos , querendo-se mostrar
de muito negocio , e importância , e
que yãlem , e podem , e sustentaÓ o
pézo- da Republica. >>
FABULA XI.
O Caó ^ £ A Imagem.
3
USCANDO de comer o Caó , acer-
3U de achar huma Imagem de homem
luito primorosa ^ e bem feita de pa-
ellaõ com cores vivas : Chegou o
]aõ a cheirar por ver se era homem ,
ue dormia. Depois deo-lhe com o fo-
inho , e vio que se rebolava , e como
laõ quizesse estar queda , nem tomar
ssento , disse o CaÕ : Pòr certo que
. cabeça he linda y senaõ que naô tern
tíiolo.
Ma
D E E S o P o. 17
MORALIDADE*
c< Imagem pintada he o homem ,
99 ou mulher ^ que só dos attavios de
9f seu corpo trata y e nart procura or-
99 nar a alma y que he muito mais
99 preciosa. Notao-se nesta Fabula as
99 pessoas y cujò cuidado todo se em--
>> prega em enfeites , è cores fiuper*
99 fluas , de fora formosas y mas na ca-*
99 beca falta miolo , e no processo dst
99 vida socego y e quietarão. ^9
FABULA XII.
O Lea6 , Vacx:a , Cabra , e Ovelha.^
F
IZERAÒ parceria hum Lea6 , e
huma Vacca , Cabra , e Ovelha y pa-
ra que caçassem de maó conunum y e
partissem o ganho. Correndo sobye es-*
te concerto , acháraó hum Veado , e
depois de terem andado y e trabalha^»
do muito ^ omatáraò. ChegáraÓ todos
B caA^
i8
FABULAS
cançados , e cobiçosos da preza , e fi-
zera ò-o* em quatro partes iguaes.. O
Leaõ tomou huma , e disse : Esta he
minha conforme ao concerto j est'ou-
tra me pertence por ser mais valente
de todos ; também tomarei a terceira,
porque sou Rei de todos os animaes ,
e quem na quarta boliir , tenha-se por
meu desafiado. Assim as levou todas ,
e os parceiros se acháraó enganados , ^
çom aggravo; mas soífrêraõ por serem
desiguaes na força ao Leaô,
MORALIDADE.
^c Parceria , e amizade , quer-se
entre iguaes , e o casamento tam-
béio ; confónne ao Philosopho , que
o mandou aprender aos meninos ,
que diziaõ brincando: Cada hum
com seu igual ; porque quem trava
amizade com maior , faz-se escravo
seu 5 e lhe ha de obedecer , ou per-
der pelo menos a amizade , na qual
Yi O trabalho sempre he do mais fraco ,
M a honra , e proveito do mais podero-*
M so.>> FA-
DE E S O p O. J5I
FABULA XIIL
p Casamento do Sol.
D
IZEM que em certo tempo de-
sejou o Sol de se casar , e todas as
gentes , aggravadas disso , se foraá
Sueixar a Júpiter , dizendo : Que no
Istio trabalhosamente soíEriaÓ hum
Sol , que com seus raios os abrasa-
va , donde inferiaõ , e provavaò ,
2ue- se. o Sol casasse , e viesse , a ter
lhos ,- queimaria o mundo todeT; por-
?!ue hum Sol faria VeraÓ calmoso na
ndia., outro em Grécia , outro na
Nomega • , e terras Septentrionaes :
pelo que sendo todas as três Zonas
tórridas , "naõ teriaõ as gentes , onde
viver. Visto isto por Júpiter , n^^n-»
dou que naô casasse.
B ii MO-
ao FABULAS
MORALIDADE.
cc Todos os homens tem obriga-
y çaô de estorvar que se multiplique
9 o número dos máos , e desalma-
9 dos , e dos que desafForadamente
9 fazem aggravos a seu próximo , co-
9 mo nesta Fabula se hnge que era
9 o Sol , e devem pedir a Degs que
9 os emende , ou os tire do mundo ^
9 e dar favor á justiça , para que
possa castigallos. »»
FABULA XIV.
' O Homem , e a Doninha.
JTxUM homem , que caçava Ra-
tos , prendeo na armadilha huma-Do-
ninha. EUa vendo-se em seu poder ,
Jhe disse que a soltasse , e allegou
razões , dizendo que ella nenhum mal
lhe fazia , antes lhe alimpava a casa
de ratos ^ e bichos ^ e sempre por
D E E S o P o. 21
lhe fazer bem , os andava matando.
Respondeo o homem : Se tu por fa-
zer bem o" fizeras , devia-te eu agra-
decimento ; mas como o fazes pelo
comer , naõ te devo nada , antes
te quero matar , que se elies te fal-
tarem , comer-me-has o meu , peior
do que o fazem os mesmos ratos.
MORALIDADE.
<€ Do QUE os homens fazem por
• seu respeito nenhum agradecimento
se lhes deve ; que a boa obra ha
de ser voluntária , e naó acaso ,
para que obrigue a quem a rece-
be. Esta Doninha he como muitos
homens , que até as más obras ,
que fazem , querem vender com
boas palavras , e que se lhes fiquem
devendo. Porém a intenção dá á
obra os quilates : quem me deo
huma* lançada por me matar , e
me abrio o apostema , que me ma-
tava , naõ loi amigo , posto que
me causou saúde. Porém devo-a sd
>f a
tx% FABULAS
55 a Deos , que por ma6 do inimigo
99 ma quiz dar; >»
FABULA XV.
A BOGIA , E A RaPOZA.
Xv OGAVA a Bogia á Rapoza que
cortasse a metade do seu rabo , e
lho desse , dizendo : Bem vês que
o teu rabo arroja , e varre a terra ^
e he defeito por demasiado ; o^ que
delle sobeja me podes prestar a mim >
e cobrir-me estas partes , que vergo-
nhosamente . trago descobertas. Antes
quero que arroje , disse a Rapoza j
e varra o chaõ , e me seja pesado ,
que aproveitares-te tu delle, ror isso
na 6 to darei , nem quero que cousa
minha te preste. £ assim ncou sem
elle a Bogia,
MO-
DE E S O P O. 13
MORALIDADE.
i€ Semelhantes sa6 a esta Rapo-
99 za todos os invejosos , que deixa-
99 rio de escarrar, se souberem que
>5 presta o seu cuspinho , e todos os
99 avarentos , que do muito , que
99 em sua casa sobeja , naõ querem
3> partir com o pobre , que lhes mos-
j> tra sua necessidade , como aqui ^
>» Bogia mostra á Rapoza. 99
FABULA XVI.
Juno , e o Pavaõ*
V
EIO oPavaõ a Juno muito quei-»»
xoso 5 dizendo , por que razaõ o Rou^^
xinol havia de cantar mellior que el-
le , c ter-lhe outras muitas vantagens ?
Disse Juno que naó se agastasse ; que
por isso tinha elle as pennas formosas ,
cheias de olhos , que pareciaô estrela
las. Isso he vento , replicou o Pav^Ò ,
mais
24 FABULAS
mais tomara saber cantar, Juno res-
pondeo : NaÕ podes ter tudo. O Rou-
xinol tem voz , a Águia força , o
Gavião ligeireza , tu contenta-te com
tu^ formosura.
MORALIDADE.
«« Prova-se nesta Fabula o que
9i fica dito no principio da vida de
79 Esopo ; que nenhum ha desampa-
99 rado da naturez^ , e sem graça par-
99 ticular ; que Deos , Author da mes-
99 ma natureza , creou os homens , e
>> repartio por elles seus dotes, Huns
>í faz valentes , e outros ligeiros j
>> hum he bom pintor , outro musi-
» CO destro , outro tem seu dote no
f> entendimento. Ensina logo esta Fa-
» bula que ninguém se ensoberbeça
5> da graça particular de que he do- '
99 tado , nem tenha inveja das boas
99 obras dos próximos , antes com
?5 tudo , e por tudo dê louvores a
19 §eu Deos > c Creador.
JA-
D E E S o P o. 2y
FABULA XVII.
O Lobo , e o Grou.
c
OMENDO o Lobo carne , atra-
vessou-se-lhe hum osso na garganta,
que o aftbgava. Estando nesta aíFron-
ta , pedio ao Grou que lhe valesse
nella , e com seu pescoço comprido
lhe tirasse do papo o osso. Fêllo o
Grou , tirou-lhe o osso , e estando
livre o Lobo , pedio-lhé alguma par-
te do muito 5 que antes se cfferecia a
lhe dar. Porém o Lobo lhe respon-
deo. Oh ingrato ! Naõ me agradeces
que te tivesse mettida a cabeça* den-
tro na minha bocca , e que podéra
apertar os dentes , e matar-te. NaÔ
me peças paga ; que obrigado me fi-
cas 5 e assaz és de ingrato em nao
reconheceres ta6 grande beneficio. Cal-
lou-se o Grou , e foi muito arrepen-
dido do que fizera , dizendo : Nun-
ca mais por gente ruim metterei a
ca-
\
26 FABULAS
cabeça , e vida em semelhante peri-
go.
MORALIDADE.
ic Diz Mimo Publicano que bene-
y ficios feitos a gente perdida , sa6
9 perdidos , e podem contar-se por ma-
9 leficios , e eu assim o entendo ,
9 quando puramente naõ se fazem
9 por amor de Deos , •que todos os
9 oens tem cuidado de pagar. Ho-
9 mem desagradecido , quanto fazeis
9 por ^Ue tudo perdeis : e ás vezes
9 com palavras vos carrega , mos-
9 trando que vós sois o devedor , co-
9 mo este nosso Lobo fazia.
*
FA-
D E E S o P o. 27
FABULA XVIII.
AS DUAS CaDELLAS.
T
OMANDO a huma cadella as
dores de parir , e na6 tendo lugar
donde parisse , rogou , a outra que
lhe desse a sua cama , e pousada ,
que era em hum palheiro , e tanto
que parisse se iria xom seus filhos.
FéJlo a outra com dó delia , e de-
pois de haver parido , lhe disse que
se fosse embora : porém a boa hos-
peda mostrou-lhe os dentes , e naô
a quiz deixar entrar , dizendo que
estava de posse , e que naõ a lan-
çariaõ dalli , senaõ fosse por guer-
ra' _, e ás dentadas.
MORALIDADE.
<c Mostra esta Fabula ser verda-
fy deiro o adagio , que diz : Queres
99 inimigo ? Dá o teu , e pede-o. Por-
yj que ,
28 FABULAS
5> que y sem dúvida , ha muitos ho-
>9 mens como esta cadella parida , que
99 pedem humildemente , mostrando
yy sua necessidade , e depois de te-
79 rem o alheio em seu poder , re-
99 ganhaô os dentes a quem lhe pe-
>> de 5 e SC sa6 poderosos ficaô com
>> cUe. »
FABULA XIX.
o Homem « e a Corra.
N
A força do chuvoso , e frio in-
verno andava huma Cobra fraca , e
encolhida , e hum homem de piedade
a recolheo , agazalhou , e aliínentou ,
em quanto houve frio. Chegado o ve-
rão , começou a Cobra a estender-se ,
c desenroscar-se , pelo que elle a quiz
lançar fora ; mas ella levantou o pes-
coço para o morder. O que vendo o
homem , tomou hum páo , assanhou-
se a Cobra ^ e começarão ambos a pe-
lei-
D E E S o P o. 29
leijar. De que resultou ficar dia mor-
ta , e elle bem mordido.
MORALII>ADE.
« Diz bem o provérbio : Por Ia
99 mano Ueva el hombre* a sa casa.
99 con que Uore. Assim aconteceo a
99 este homem com a Cobra ^ e acon-»
99 tece a muitos , que no inverno do$
>9 trabalhos , e perseguições , querem
99 ser bons a seus próximos y mas el-
99 les , de ruins , chegando o Veraô
99 das bonanças ^ nem o dado agrade-
* 39 cem 5 nem o emprestapo tomaó,
í9 Assim he certo agazalhardes ás ve-
99 zes pobre em casa , que ou vos rou-
99 ba , e foge , ou , se o despediz , voí
99 molesta ^ e injuria. >9
FA.
30 FABULAS
FABULA XX.
O Asno , e o Lea6.
V^ ASNO simples , e torpe , encon-
trou com o Leaõ em hum caminho ,
e de altivo , e presumpçoso , se atre-
veo a lhe fallar , dizendo : Vades em-
bora companheiro. Parou o LeaÕ ven-
do este desatino , e ousadia j mas tor-
nou logo a proseguii' seu caminho ,
dizendo : Leve cousa me fora matar ,
e desfazer agora este ; porém. na6
quero çujar meus dentes , nem as for-
tes unhas em carne taõ bestial , e fra-
ca. Assim passou ^ sem fazer caso
deile.
MORALIDADE.
<í Homens forçados , e nobres ,
99 soffrem cousas a outros baixos , que
99 naõ soífreriaô a seus iguaes ; porque
í> tem por aíFronta çujar as mãos em
>> gen-
D E E S o P O- 31
5> gente baixa. Pelo contrario ha mui-
99 tos néscios , como este asno , que
99 favorecidos , e contentes de si , do
» bom vestido , e bom comer , sem
?> mais partes querem logo roçar as
» conteiras com os fidalgos maiores
99 da terra , como fazia este com o
99 LeaÓ Rei dos outros animaes. >»
FABULA XXr.
o Rato Cidadão , e Montezinho.
H
UM Rato , que morava na Ci-
dade , acertando de ir ao campo , foi
convidado por outro , que lá morava,
e levando-o á sua cova , ahi comêraõ
ambos cousas da campo , hervas , e
raizes. Disse o Cidadão ao outro : Por
certo , compadre , tenho dó de ti j e
da pobreza em que vives. Vem comt*
migo morar na Cidade , verás a ri-
queza , e a fartura que gozai. Accei-
tou o rústico y e vieraõ ambos a hu-
ma
32 FABULAS
ma casa grande , e rica , e entrados
na despensa , estavaõ comendo boas
comidas , e muitas , quando de súbi-
to entra o despenseiro , e dous gatos,
apoz elle. Sahem os Ratos fugindo. O
de casa achou logo seu buraco , o de
fora trepou pela pai'ede , dizendo : Fi-
cai-vos embora com a vossa faituraj
que eu mais quero comer raizes no
campo sèm sobresaltos , onde naô ha
gato , nem ratoeira, E assim diz o ada-
gio : Mais vai magro no matto , que
gordo na bocca do gato.
MORALIDADE-
<« Quanto o estado ^ pobre seja
mais quieto , e seguro , mostra-se
bem nesta Fabula ; é quaõ arrisca-
dos vivem os que • trabalhão por su-
bir a mais riquezas , ou a mais alto
foro , do que tem. Que , conforme
ao dito do Santo ^ os que andaó por
enriquecer , esses cahem na ratoei-
ra. 99
I
FA-
D E E S o P o. 33f
FABULA XXIL
A ÂQUIA > S A RAPOSAé
JL INHA á Águia filhos ^ e para os
cevar levou nas unhas dous rapozi*
nhos tomados de huma lousa^ A mái >
que o soube , lhe foi rogar que lhe dés^
se seus filhos ^ mas a Águia lá do alto
zombou dos rogos ^ e disse que naâ
deixaria de lhos comer. A raposa ma-
goada começou logo acercar a arvo-
re , oiidé a Águia tiiihâ seu ninho ,
de muitas palhas , tojos , páos seccos ^
e acccndeo*a8 de tal maneira , que pon-
do-ihe o fogo , fez huma fogueira mui-
to grande* Vio-se a Águia aitribuladâ
do nimo , e leváréda , e com o íeceio
que ardesse a arvore toda, lançou-lhe
os filhos sem lhes tocar ^ e quasi fiçaiè
chamoscada pela indústria 4a Biaposa. :
WO-'
34 FABULAS
^ORALIDADE..
ií Posto que algum presuma ser
99 Águia na força ,, e tei- estado avan-
99 tàjado dos outros \ nem por isso
>> aftronte , nem ajggrave o fraco , e
if pequeno , que naÕ |>oãsa vingar-se
^ do maior. E Deos ajuda os húmil-
%9 des 5 e resiste aoí soberbos ; e quiz
9i que o Lea6 temesse aò Gailo , e
99 O Rato podesse inquietar o Ele-
5> faiite. ^>
FABULA XXIH.
O Gallo, EA Rapoza.
Jl OGINDO as Gallinhas com seu
Gallo de huma Rapoza*, sobíraó-se
em hum pinheiro , e como a Rapo-
za âlli naé podasse fazer-^lhes mal ,
quiz usar de cautela , e disse ao Gal-
lo : Bem podeis descer-vos segura-
mente , que agora acabou-se de as-
•-i^v* ■ > sen-
D E E S o P O- 35-
sentar paz universal entre todas as
aves , e animaes : por tanto vinde,
festejaremos este diai Entendeo 6
Gallo a mentira ; mas com dissimu-
lação respondeo : Estas novas por
certo sa6 boas , e alegres , mas ve-
jo acolá assomar três cãs -, deixemol-
los chegar , todos juntos festejai^-*
mos. Porém a Rapoza ^ sem mai^
esperar , acolheo-se dizendo : Temo
que o naó saiba^ ainda , e me ma-»
tem. Assim se foi^ ^ficáraã as Gal«
linhas seguras.
MORALIDADE-
« HvM cravo tira outro cravo.
»> Por este Gallo pôde cntender-se. o
99 homem $isud6 ^ que quando outro
99 com palavras o quer enganar , dis-
9% simula , fingindo que naó o enten-
>9 de , e com palavras brandas sé
>» defende. Que se o falso encontrt
>> homem avisado , quasi sempre cu
>f he nos laços que armou. >9
C ii F>
^6 FABULAS
FABULA XXIV.
Bezerro , £ o Lavrador.
X INHA hum Lavrador hum Be-
zerro fórte 5 e mimoso, e pôUo no
jugo com outro boi manso : mas co-
mo o Bezerro o naô qnizesse tomar y
nem soffrer , com pancadas , e pe-
dradas trabalhara o Lavrador pelo
amansar. £ disse ao boi manso : Na6
te tomo com este , para que lavres ,
que ainda naõ he para isso , sena6
para o amansar de pequeno , porque
depois que for touro madrigaao na6
haverá quem o amanse.
MORALIDADE.
« Ensdía-nos esta Fabula quan-
ta to seja .necessário dobrar , e refrear
%j os filhos de pequenos , cosrumak
» los á virtude , tirando-os de ocio-
99 sidades y que sempre parem affron-
1 >' tas
DE ESOPO.
9 tas n2t vdhioe ; porque dout
9 christá he , ^ue quem tira
y mossos o castigo , se lhes c
9 bem y lhes faz mal. Donde se
f ya que quem lhes tem amor ,
y ve de os domar t e castigar
y pequenos» Também pelo boi n
y so se vê que o homem quieto
y pacifico sempre he mais queri
y e estimado ■ daquelles , que tr
f com elle. >»
FABULA XXV.
.0 Lobo , e o Cao.
E
NCONTRANDO-SE hum
bo , e. hum Ca6 , em hum camir
disse o Lobo : Inveja tenho , c
panheíro , de te vêr ta6 gordo ,
o pescoço* grosso > e cabello luz
cu sempre ando magro , e arripi
Respondeo o Caõ : Se tu fizer
^ue eu faço , tambein engord
J
3« FABULAS
Estou em huma casa , onde me que*
rem muito , da6-mc de comer > tra-
taò-me bem ; e eu tenho cuidado só
de ladrar quando . sinto ladroes de
iloite. Por isso , se queres , vem com-
migo , terás outro tanto ? Acceitou
o Lobo , e começarão a ir. Mas no
caminho disse o Lobo : De que he
isso , companheiro , que te vejo o
?cscoço esfolado ? Rcspondeo o CaÓ :
órque naô morda de dia* aos que en-
traõ em casa , estou . preso com hu-
ma cadêa, e de noite me soltaó até
pela manhã , que tomatí a prender-
me. Naô quero tua fartura , respon-
deo o Lodo : A troco de naó ser
cativo , antes quero trabalhar , e je-
juar livre. E dizendo isto se foi.
MORALIDADE.
<í Na6 ha prata , nem ouro , por
f> que deva vender-se a liberdade , e
>> quem a estima no que eila mer^
w ce 5 faz o que fez este Lobo , que
» escolhe antes trabalhos , e fome ,
, yy que
D E E S o P o. 3^
yy (}ue perdella : mas comedores nc^
9> gligentes ^ e apoucados , naô es-
» tímaô ser livres , com tanto que
39 comaõ o pa6 ociosos , e os taês
yy saó significados nesta Fabula peto
» Caõ. ^y
FABULA XXVI.
OS Membros , e o Corpo.
A
S mios , e os pés , se cjaeixa*
va6 dos outros membros , dizendo
que ejles toda a vida trábalhavaó , e
traziaó ó corpo ás costas , e tudo
rçdundava em proveito do estômago ,
que comia sem trabalho ; por tanto
3ue se determinasse a buscar sua vi-
â , que elles naõ haviaõ de dar-lhe
de comer. Por muito que o estômago
lhes rogou,, na6 quizeradi tomar our
tra determinação , e assim começarão
a negar-lhe a comida : e elle enfra-
queceo. Mas como juntamente enfra-
que-
40 FABULAS
quecessem também os pés , c mãos ,
tornavaõ depressa a querer alimentai-»
lo i mas como já a fraqueza fosse
muita , nada lhes valeo , e morre*
raô todos juntamente.
MORALIDADE.
« Todos somos membros em hu*
5> ma República , e todos necessários
99 huns aos outros. Soldados , e tra*
99 balhadores sa6 máos , e pés y o
79 Rei cabeça , os ricos estômago. Se
^9 disser o lavrador que na6 quer tra-
99 balhar , para que o outro coma , el-
99 le ha de ^er o primeiro que ha de
>» padecei* fome. Se os solaados na6
99 defenderem a pátria ^ o Rei na6
99 a governar , os ricos * naô dis^ri-
99 buirefm o que ajuntarão de antes y
99 e cada membro se apartar , mor*
99 rcrá6 todos , e morrerá o corpo
99 místico da República 99
FA*
DE E S Ó P O. 41
FABULA XXVII.
A Águia , e a Corexa.
A
ÁGUIA tomou nas unhas hum
Kagado para cevar-se , e trazendo'-o
-pelo ar , e dando-lhe pxadas , n?Õ po-
dia matallo , porque estava mui reco-
lhido em sua concha. Embravecia-se
muito com isto a^Aguia , sem lhe pres-
tar , quando chega a Corexa , e diz :
A caça 5 que tomastes , he em extre-
mo boa , mas na6 podereis ^ozar del-
ia 5 senaõ por manha. Disse a Aguía
^ que lhe ensinasse a manha , e píirtiria
com ella da caça. A Corexa ô rez , di-
zendo. : Subi-vos sobre as nuvens , e
de lá deixai cahir o Kagado sobre al-
guma lagem , quebrará a concha , e
ficar-nos-ha a carne descoberta. A Agiija
o fez ; e succedendo como queriaô ,
coméraô ambas da caca.
FA^
42 FABULAS
MORALIDADE.
« TSa guerra , e çm todo nego-
cio , tanto vai a indústria , e mais
3ue a força ; que negócios mui ar-
uos se acabaó por manha , e a for-
ça sem ella vai pouco , ou nada.
* Isto quizeraó mostrar os poetas na
companhia , e amizade do sábio
Ulysses com o valente Diomedés;
porque valentia sem manha , pou-
cas , ou nenhuma vez dá fructo
proveitoso a seu dono , e hum con-
selho bom acaba mais , que muitos
máos. 99
FABULA XXVIII.
A Raposa , e ô Corvo.
o
GORVO apanhou hum queijo >
e com elle fugindo , se pousou sobre
huma arvore, v io-o a Raposa , e de-
sejou de lhe comer o seu queijo : e
pon-
D E E S o P o. 43
J)ondo-se ao pé da arvore , começou a
dizer ao Corvo : Por certo que és for-
moso , e gentil homem , e poucos pás-
saros ha , que te ganhem. Tu és bem
disposto , e mui galante j . se acertaras
de saber cantar , nenhuma ave se com-
parará comtigo. Soberbo o Corvo des-
tes gabos , e desejando de lhe parecer
bem , levanta o pescoço para cantar ;
porém abrindo a bocta , cahio-lhe o
queijo. A Raposa o tomou , e foi-se ,
ficando o Corvo faminto , e corrido de
sua própria ignorância.
MORALIDADE.
«^ Os QUE se desvanecem com pa-
99 lavras lisongêiras , como eraô as
99 desta Raposa , na6 he muito faze-
is rem maiores desatinos do que o
>f Corvo fez. Quem j sem ter partes^
>> vê louvar-se , entenda que na6 sa6
' >> louvores , senaô laços , que lhe ar^
>í ma6 para o enganarem j porque pa-
» lavras brandas sempre sa6 suspei-
99 tosas y e quanto melhor se acceitaó,
*j tan-
44 FABULAS
tanto ficaô prejudicando mais. Sa6
cevadouro , que faz o caçador para
nos tomar nelie ; e por meio desse
engodo vem a alcançar de nós o que
desejava.-j5
FABULA XXIX.
o LeAÒ > £ os OUTROS AnIMAES.
XI/STAVA hum Lea6 doente ,. e fra-
co de velho , e vindo hum Porco mòn-
tez , que lhe lembrou sèr maltratado
delle rfoutro tempo , deo-lhe huma
forte trombada , e passou. Veio hum
Touro 5 e escomou-o , e outros muir
tos animaes por se vingarem o maltra-
tavaói Por derradeiro veio hum asno,
e deo-lhe dous couces , com que lhe
derrubou as queixadas. Chorava o*
Leaõ 5 dizendo : Tempo sei eu que
todos estes só de meu bramido tre-
miaõ , e nenhum havia taõ forte , que
naó fugisse de se encontrar comigo ,
ago-
D E E S o P O- 4f
agora que me vêm fraco ^ todos que-
rem vingar-se^ e naó ha quem nao se
me atreva«
MORALIDADE.
€€ Os QUE estaó introduzidos em
9 cargos , e oíHcios grandes , naõ ag-
> gravem outros , e recêem o que x
9 este Léaô succedeo ; porque quan-
9 do seu poder enfraquecer , e deixa-
9 rem o officio , também qualquer po-
9 bre poderá vingar-se delies , e met-
9 tellos em aíFronta , ou por obra , ou
> por palavra.
FABULA XXX.
AS RaNS , E JUPITEK,
A;
LS Rãs n^outro tempo pedíraô a
Júpiter lhes desse "Rei , como tinha6
outros muitos animaes. Rio-se Júpiter
d» ij;aorante peti^aÓ ^ e deferindo a
46 E A B U L A S
ella , lançou hum madeiro no meio da
kgôa. Começarão as Rãs a ter-lhe res-
peito ; porém des que entendéraã
que naô era cousa viva, de novo tor-
narão a Júpiter pedindo Rei. Agasta-
do Júpiter da importunação , deo-lhes
a Cegonha , que começou a comêllas
huma a huma. Vendo ellas esta cruel-»
dade , fora6-se com queixas , e pedir
remédio a Júpiter , mas elie as ]an->
çou de si dizendo : Andai para lou-*
cas : já que vos naô contentastes ^t>
primeiro Rei , soi&ei esse , que tanto
me pedistes.
MORALIDADE.
4
♦ <« Gente , e Povo amigo de novi-
j9 dades he como as Rãs ; cada dia
w querem mudar de senhor , e de-
99 sejaó alterações , e mudanças. Mas
99 bem se vê nesta Fabula , que casti-
ff ga Deos muitas vezes os máos , sò
f > com lhes conceder o que pedem j e
>9 os que murmuraò do bom Gçverna-
i9 dor^ ou Prekdo^/ás vezes cahem
>» em
D E E S o P o. 47
99 em poder de tyrannos , que os co-
99 mem , e destroem , como a Cego*
>9 nha aqui fazia.
FABULA XXXI.
AS Pombas ^ e o Falcaõ,
V.
ENDO-SE as Pombas persegui-
das do Milhano , que as ipaltratava
de quando em quando , e buscando co^
mo ppderiaõ livrar-se , quizeraõ va-
ler-se ' do Falcaõ. Tomou este o car-
go de as defender j mas começou a
tratallas muito peior , matandç^as , e
comendo-as sem piedade. Vendo-se
sem remédio , diziaô : Com razaó pa-
decemos , pois naó nos contentando
do que tinhamos , soubemos taó mal
escolher cousa ^ que tanto nos impor-
tíiva.
MO
48 FABULAS
MORALIDADE*
<c Direitamente parece que falia
39 esta Fabula , com os riincipes
99 Christâos , que tendo coolpeteiícias
» entre si , muitas vezes chamáraÔ
>í em seu favor Mouros , ou Tur-
99 COS 5 do que depois se arrepcndê-
99 raõ , como estas Pombas , e flcá-
jy raõ na sujeição , qiíe hoje Grécia
>> padece , e outras muitas Provin*-
>9 cias , em castigo de seus ódios , in-
» vejas 3 scismas , abominações , e ou-
99 tros peccados , causas de discórdias^
99 e por conseguinte de total destrui^
99 ÇaÕ. 99
FA^
t>B ES© PO. 10
t? A BULA XXXIL
o Parto da Teéraí
JCél
fM cerro tisnipo coiiiéçôu a Terr^i
â.dar arros , e inchar y dizendo que
queria parin Andava a gente mui pasr
iiiada , é chêa de tentor , e receosa que
fiascesse ai mm monstro ^ proporciona-
do cónt á Mái , âue pòdesse destiinr
O mundo todo. Chegado o tempo do
parto y estando todos juntos suspen-
sos , pario a Terra hum Morganho i
e ficou sendo riso o que antes eira
tnedó^
MÓRÁtlDADÈ.
• - ■ • ■■
é€ Está Fábula ex|)lica Horácio dos
9f quô prométfem de si cousas gran-f
ff des y e depois nã6 fazôm; cousa al-^
» guma i como saó certos fanfarrões ^
st (luõ se j^€^a6 de v^entes ^ e a podeç
i* dei juraitte»to9 © querem, parecer^
D* '^ wòn-
yo FAB U L A 9
99 Outros , que gaba6 suas letras , c Li-
99 vros p que ha6 die coirip.6r. , ró^s quan-
j> do vem a joeirar-se a valentia de
» huns , e a ^iencxa dos ostros , tudo
>> he joio : pelo que com razaõ fica
>f quem os conhece rindo , e escarnç-
99 cendo delles , como na Fabula se
€€ diz que os hootens fazia^ do p^urto
99 da terra. »
FABULA XXXIir.
O Galgo velho , £ seu Amo.
A
HUM. Galgo velho , que havia
sido muito bom , se lhe foi huma
lebre d'entre os dentes, porque jd os
naò tinha. O amo por isso o acoutou
Grtiélmeote , e lançou de ú , como
cousa que nada valia .r -Di^se o Galgo:
Deves ^ senhoir , lembrar-«{e como te
servi be^n em quanto era íAoço , quan-
tos lebres tomei , e quanto* me esti*
xnav4S ; ngora ^^w sou velho ^ ó e»^
tOtt
D E E S o P ÍK^ 5'!
toa posto no osâo , por huma ^ que
me rugio y me açoutas > e lanças tó*
ra , devendo perdoar-me , e pagar-
xne b^m o muito , que te tenho servia
do.
MotlALlDÁDR
<í Dbst E Galga tonle liçáó queiá
^1 serve a senhor ingrato , é verá ò
>5 pago , que ha de ter 5 principal-
U ihénte se o serve ern cousas Contrt
l5 sua consciência ^ porque depois qué
>9 estiver bem ihettidti fio Inferno >
» pela primeira vontade, que deixar
)) de lhe fazer , perde quanto tem
» servido , e muitas vtees o mesmo ^
» senhor^ pôr cujo respeito élle per-
>f deo a Deos , è b mundo , o accu-
5» sa , e he sai algoz , e o faí caís-
ir tigár dos peccados , que lhe' f&i
9f fazen yy
Dii FA-
^4 FABULAI
FABULA XXXIV.
Âs Lebrbs 5 Ê Rans.
Vi
ENDG-SE : as Lebres cofridas dos
galgos y e espantadas de todos os ani«
inaes ^ assentárad.^ por naó passar
sobresalto , de sç matarem aiFogadas
em hum rio j e querendo dallo á ext
ecuçaô , como corressem com impçr
to para se arremessarem na aguja , cW
gando á borda delia viraõ grande mi*
mero de Rãs saltarem com medo no
ribeiro. ReportáraÕ-se as Lebres hum
pouco , e mudando o conselho y dis*?
seraõ : Pois que vivem estas Rãs,
havendo medo de nós , e de todos
os que no-lo causa , soáramos nós a
vida , que Já ha outros mais acossa-
dos ^ e medrosos.
MO
DE E S O PO. f^--:
* ■ •
\ MORALIDADE. ; ^
€t Bem se vê ser verdade o qilé
9^% diz Marcial, que ninguém hemi-*''
9> seravel ^ se for conmárado ; e a-
99 mais certa consolação , ainda qué
xj cruel y que ha nos males , he vêr
i» outros , que os padecem maiores,
9$ Por esta causa perguntando-se a
99 hum Philosopho , de que modo se
99 sbffi'eria6 bem tribulações ? Respon«>
99 deo : Que vindo nosso inimigo
99 em outras maiores. >»
FABULA XXXV.
O LoBo , E o Cabrito.
H
UMA Cabra , indo pastar ao
campo y deixou o filho em casa , e
m^ndou-^lhe que naô abrisse ao Usso ,
nem Lobo , que alli viesse , porque
morreria. Ida ella , veio hum Lobo ,
€ fingindo a voz de Cabra ^ come«
ff FABUtAS
Ífou a aâàgar o Cabrito , dizendo qtit
he abrisse , que era sua MãL Ouvin-*
/dp isto Q Cabrito , Chegou rá 'porta ,
t por hyma fenda oljiou , e vio o
Lobo y.- e scoí outra rie$pp$ta vnf^ti.
$^ costas , e recolheo^e em ca$a. O
Lobo fbi->$e , e ellç ficou salyo«
MORALIDADE,
€i FiLHOâ obedientes a $eus Pais
9f tudo lhes succede Jpem> Esta Fabiir
>9 ia nos avisa que^guardemos sem-
99 pre esta obediência , e tambçm que
» naó nos fiemos em palavras bran-
99 das ; porque quem i pura força
99 nad se attreve a dar-nos , quanta
99 mais peçonha traz no coraça6 > tan-*
99 to mais mel mostra a lingua : quO
9) a peçcnha na6 se dá , senaõ nos man-
^ jares mais saborosos^ ^ conoto o Claui«
it diQ nas CiUrcaç, >jf
FA-
0E ES O PO. Jjí
F A B U L A XXXVI.
; ... ■ . ,
O Cêbvó \ o Lobo , e a Ovelha.
JDeMANDAVA o Cerro á Ove-
lha falsameme certo trigo , cjue di*
zia haver-lhe emprestado. A Oveiha
poderá negar-lbo« mais^ íececu , por-
que, estava hum Lobo d^ companhia
com o Veado , jr assim com dissimu-
lação lhe dlss w Kogo^te , per tua
vida , que esperes alguns dias y e
enfaó averigoaremos nossas contai ^
Íue eu te pagarei qiiamo ' te dever*
'oi contente o cervo. Porém tanta
que atnbos se eocontráFaÕ sem o Lo-
bo estar presente y a O^relha o des^
enganou y -que nem lhe* devlá tiiigo ^
nem lho havia de pagar. '
IMORALIDADE.
t «■ Mm*. 1
íí Got^EM esta Fabula hum avi*
»>so proveitosa , que pôde servir^
» nos
féf FABULA S
no)5 quando alguém porfia contra
ruis em presença de ncs^ps inimi-
gos : que entaõ he prudência di-?
larar a vida j àté nos vêrpips eçi
tempo que possamos livremente de-
fender nossa opinião , como fez
aqui a Ovelha , sem temor dç Lon
bos inimigos roazes. a»
FABULA XXXVlI,
A Cegonha ,£« Rapoz A.
s
ENDO amigas a Cegonha com
a Rapoza y a Rapoza a convidou hum
dia a jantar. Chegado o tempo , pre-»
parou a Rapoza ardilosa huma comi-
da liquida , 'manjar como papas , e
a cstendeo por huma louza , fi importun
nava a Cegonha a cue comesse. Mas
como dia picava lia Ibuza , -.quebrava o
bico 5 c nada tomava nelle , com que se
foi faminta para o ninho.. Mas por se
vingar, convidou a Rapoza;outrav^zi
e
ft^laiíçoa 5 mafijar em 'husia àlinoté*^
Ha 5 dõnd« comia com o bico , e;
pescoço comprido. E a Raposa na6'
podendo mctter o fecinho , se toN;
nou pára sua casa eòmda , e muito
morta da fome.
. MO R. A L t D A DE;
• > <f He g^sto engaâar ao ^ngana-^
í> dor , e zombar de (|»em qner zom*^
i> bar de nós , e obrigação dos que
f 9 zombáõ y è. esoamecem , soi&erem
í> bem zombarias leves , e tomarem^
ri tá& em graç^.
FABULA xxxym. ;
A Gralha > e os Pav6es.
1/
F
EZ-SE a Gralha bizarra* e Icu^
ca vestindo-se de pennas de Pavões ,
que pedio emprestadas, e despresan-
do as outras Grallias , andava com
-( '\ os
y8 F A'BU L A^S.
os Pavões de ftiktura* Porém dles lhe
pedirão as suas pennas i t, começao^'
do a depennalla ^ todçs lhe levavaò
pennas, ecaine no bico» Depois que-r
xmúo chegar-«e ás outras , ainda aue
com temor , e vergookk: y dmaÕ*lhe
ellas : Quanto te valera mais conten-
tar-te com o que té deo' a natureza ,
que querer mudaf de estado ; para vires
a este em que estás > pellada > fé-
tida y e vergonhosa.
MORALIDADE.
i< QyEM faz casa > e toma faus*
99 to com rendas alheias y ou fazenda
>9 emprestada , tem o successo des-
*> ta Gralha. Chega-se o tempo da
79 paga , vem os acredores , tomaô-
99 lhe as alfaias com que se honrava ,
99 e senaõ bastaó , da6 com elle na
55 cadea , donde sahc pelladto , e ver*
w gonhoso. w
Ma
D E E S o P o. jí>
FABULA XXXIX.
I . I . , .
I
A Formiga , e a Mosca.
Ji^TRJS í Mos€4^ eFormiga , hou-
ve glande alteração sobre poatos de
honra. Di^iaaMosc^: Eu sou nobre ).
vivo livre, ando por onde quero , co-
mo viandas preciosas , e aasento-mc i
m^a com o Rei^ edou beijo nas mais
formosas damas. Tu malaventunida >
sempre andas trabalhando. Respondeo
a Formiga :- Tu és. douda ociçsí!. Se
pousas huma vez em 'pfátó d^e bom
manjar , mil vezes comes çuj idades , e
immundicias - -, aborrecidas âe todos :
se te pões no rosto da dama , ou
* á meza com o Rei , na6 he ^or stia
vontade , senaó porque tu. és enfado*.
nha> e importuna.
FA^
MORAL IDA^DE. ]
€c Desta Fabula aprendamos o pou-
99 CO 5 que valçm hoipens ckío^os , e
$9 importunos como hioscas , que se ga-
99 bao diffiunando mulheres , e pessoas
>» honradas j e còiitaó feitos ^ que
9^ nunca lhes acontecera^, desprczan-'
># do os que, como formigas", viveín
» de sua indústria , mas quando vem
99 a occasiaò naò i^zem nada , e fi^^
5f ca6 afirontados , e ddos por çobar-» •
9p des,
FABULA XL.
A Ran , e o Touko*
J \
A-
NDAVA hum grande Touro ms*
seando no longo da agua , c venqo-O'
a Rá taô grande , tocada da inveja ,
começou de comer, e inchar-se conv
vento , e perguntava ás outras se era
j4 taô grande. Respondem èUas que
naõ ;
GB E S O P O. i^i
Iia6 : Totoa a Rá segunda vez , e p3e
mais fotçâ for inchar; e desenganada
do muito que llie faltava para igualar
o Touro , terceira vez inchou taó ri*
jamenle 5 que Veio á arrebentar com
cobi^ de ser grande*
MORALIDADE*
u MARaAL em hum Epygramma
»9 contra Otalicio, moralisa esta Fa-
99 bula y entendendo pela Rã o ambi-»
V cioso 9 que dese^anao igualar-se com
f9 o rico no trato , e despeza , gasta
99 o que tem , e o que naõ tem ^ e
9> chega a consnmir-se , até que re*
n benta em muitas dividas , que da6
99 com elle no Hospital. Fiquem Id*
f » go avisados aqueíles , que ^Ô Rãs
f» na posse y naó queirao despender
>> como Touros , porque na6 reben-*
^> tem como esta ^ de que tratou esta
J!;^ : Fabula* w . ,
í.
FA'
é4 F A B U L AS
e alcançarão victoria. E tomando o
Morcego , em casrlgò dà trahiçaô ,
ihc rnafidáraô que andasse seaípr^
pellado y e ás escuras^
MORALIDADE.
« Esta Fabula falia com os solr
dados , que naó desamparem seus
Capitães y com os amigos , que
nao deixem a amizade em tempQ
de trabalhar ; que os que assmi
o fazem lealmente saô tidos pou-
co de amigos , e muito de inimi-
gos 5 infamaó-se de trahidores , e
ninguém mais s^. íia úéti6s* ■,.
^ú^'
D E E S o l> D. 6$
FABULA XLIIL
• - • « -
ó Cavái<loj è; Õ ÁsNpé
I
i < > 4u^ ' I
NDQ O; Cavallo .com jaezes ricos
de seài ';- *'e ouro áe húkò preço >
encontrou no caminho hum Asno car-
regado > edisse-Ihecom muita sober-
ba : Animal descomedido ;, porque
na6 me dás higar , e te desvias para
qu€ eu passe ? Caliou , e soi&eò ò
pobre Asno. Mas dahi a poucos dias
émmajjquedeo o Cavallo ,. e pozeraò-f
no. de albarda para ^eirvir. Acertou a
Asno de o achar carr.egado de esta--
CO ^ ^ disse-lhe : Que vai , irmaõ^
Onde está vossa soberbai? Porque naíí*
mandais agora que me arrede y co-
mo fazíeis ãBãOâtro tempo?: . ;
• ••• •' • í > ' j .' ■
MOBL.ALIDADE;
€€ NiKQ^Mr desprese lOs peq,ue«>
9f: nos , e pobres , por sç vêr faito ,í
È » ^
99 e vestido , ou com honra , e of-
99 ficiçs j pprque se mudaó as ven-
9» turas , e estados , e a soberba pas-
>> sada naõ serv.ç. mais que 4^ vergo-
jj nha ,^ injúria presente. >>
- FAÇULA XLlV.
p FaJLCAÔ y £ a RÓUXXíNOL.
o
FALC AÕ huma mankã se; apos^^
sou doainho, oáde a Rouxinol tinha
sms filhos , e.quiz mataUos* Come-^
fDu o EUuixinol com muita bcandura^
a-nigaivlhe. qi«e naâ os matasse , e qiL4!t
a servixáa. Diss&i o FalcaÔ que era coih
tente > :s8. cantasse de: modo que o
satisfizesse. Começou o. triste Kouú-
nol a cantar muito .sentido y e soate*
Porém o FalcaÕ mostrando-se descon-
tente dia musica ,. oanie^ a co-
mellos. Chega nisto por de tra;s hum
Gsçador f e laiiçs^ ao iyca& hum
lifOr ^Oí( qae Q pKodeq ^ q a le^^
vou
DE E S O PO. «7
vou à rasto y c o Rouxinol ficou li«
tre.
MORALIDADE.
€€ Por este Falca6 se âignificaS 09
ff tyraiiQos ^y e deGálntadoB ^ qiiepõr
9» nenhuntas rastões , ainda que mm
91 justificadas , dssistem de iggFavai:
9> aos i]ue 'podem pouco i^ mas nente
9» ratiemeio chega a Justiça Divina ^
99 c^vtó OS caça no laço da mane , e
$9 08 lança no inferno y e muitas ve-
»> aoí para consolaçaé dos bons cm
9$ afflige nesta vida yisivtknenu com
9t pena icmporaL m
E U FA-
i68 T'A'3VXâS
FABULA XLV.
V '•
AS Árvores , e o Máciiàdo-
H
IJM machado de aço bem foiv
iadov, faltando-Ihe o. cabo , sem el*
le.naé podia: cortar; Disseraô as Ar-
"vores aa Zambugeiro quê lhe desse
o cabo. E como o nmchado esteve ea*
•catado ,:. hum : homem com elle co*
meçou a fazer madeira , e destruir o
arvoredo. Disse entaõ o Sobreiro ao
jFreixo •: íJíis. temos a culpa. > que
demos cabo ao machado para nos^
mal j porque a na6 lho darmos se-
guras poderamos estar delle.
MORALIDADE.
« Quem vir seu contrario inhabi-
3> litado para fazer mal , na6 o ha-
9J bilite , nem lhe dê armas , se o
5> vir desai-mado. Virtude he perdoar
99 ao inimigo, mas parvuo he quem
ly.B. E S OPQ. -6^
5> além de Ilje perdoar , o favorece
J9 tanto /que depois possa cotai pou-
>f.'ca ajuda matali04>>
FABULA XLVI.
O Asno > í: o Mercador.,
H
VH
UM tendeiro caminhando, pam-
a feira levava hum ^sno carregada
çie mercadoria r que de mui fraco,
andava de ya^ar* O l^ercqd.Qi: çobi-t
coso com desejo de chegar , dava
tanto ^no .A^op , .que naõ podia bo-^
lir-se-, qué €ahiò no cammha com
a carga , e morreo. Depois de mor-
to o esfoláfa(l.*45 .€ da pelle^ IJie fize-
raõ hum tambor , em que andava5
de continuo tangendo , e batucan-»
do. -
MO-
TO FABULAS
MORALIDADE.
€€ Os QUE sabem aproveitar<-se dos
9f trabalhos da vida , e se apparelhaó
99 para a morte , descançaõ nella :
9» porém os que como asnos morrem
99 sem se lembrar que ha outra vi^
99 da , depois de padecerem nesta
99 suas desaventuras , saõ na outra es-
99 camecidos , e atormentados pelo
99 demónio ; pelo que com acerto 6Z&
%9 comparados nesta Fabula a jumen^
19 tos , cuja pelle he na mòite , e
99 na vida b^m corrida. 99
FABULA XLVIL
O Rato 5 E A Dokinha,
H
UMA Doninha , como de Ye
lha j e cançada , naõ podesse já ca
çar ; u^^ava esta manha : Enfarinha
va-se toda ^ e punha-se muito que
da 9 hum canto da casa* Vinha6 ai
gum
D £ ES Oto. fi
guns Ratos , que cuidando ser outra
cousa , chegavaô pordomer , ..e el*
la os comia. Por derradeiro veio hum
Rato velho , que tinha já escapado
de muitos trances , e posto de longe
disse : Por mais artes que uses, na6
me colherás. Engana m a esses peque-
nos ; mas eu , conheço-te bem y na6
hei de chegar a ti. h dizendo i$to ^
foi-se. . '
MORALIDADE.
<« Na Doninha se pôde vêr qut
99 quem he criado em más manhas^
» nem por doença , nem por vélhi*
yf ce as perde. Quem se costuma à
5> furtar , ou o baraço , ou a mórtê
yy lho ha de tirar : e quando já naô
yy podem usar da forca , com rebu-
í> ços , manhas , e trahiçóes usa6 seus
>> máos QÍficios 5 como gente que
>> tem perdida a vergonha , e temof
« de Deos.9>
74 FABULASÍ
• r ...
FABULA XLVIII.
f
A íUi^ozA , E AS Uvas.
'V-/ HEGAV A a Rapoza a huma par-
reira , vio-a carregada de xivas man-
daras , e formosas , e cobi^u-^as.
Começou a fazer suas diligencias . pa*-
ra subir ; porém como estayaÕ altas ,
c Íngreme a subida', por muito que
fez , naõ pode trepar j pelo que
tdisse : EstaÓ as ut^ em ágraço , e
4esbotar-me?èiaó os dentes ^ 'na6 quero
colhellas verdes ; que também sou
pouco amiga delias, E dito isto , foi»
MORALIDADE,
« Parte he de homem avisado ,
ff.as couças^ que na6 pode alcançar,
<f mostrar que naô as deseja j que
^»^uem encobre suas faltas , e des-
\ ?? ^biços p íiaõ dá gosto ^ quem lhe
?> quer
DK E SOP O. 73
"M-dp^ mal , nem desgosto a quem
n líie quer bem: eque seja isto vetir
if dade ém todas as cousas > tem mais
<f lugar nos casamentos , que dese»-
y$ jallos , sem os haver ^ he pouqui^
>.» dade , eisixo mostrar o nomem
99 que ngô lhe lembrai , aWa que
V muito os cobice. 99 ] í
FABULA XLIX.
» * I '
. • «
o Pastor , e o Lobo.
F
UGI A o Lobo de hum . caçador ,
que vinha em seu seguimento ^ e diaHr
te de hum Pastor se escondeo em hu^
mas moutas , rogando-ihe que se o
caçador lhe perguntasse , dissesse era
ido. Ficou o Pastor de o fazer. E cher
fado o caçador , perguntando pelo Lo-
0,0 Pastor lhe dizia que era ido j
mas com a cabeça lhe acenava para
onde estava : naõ attentou o caçador
PQS acenos , c foi-$e, Sahio o Lobo ,
74 1^ ABUL AS
cdisse-lJie o Pastw : Que rai amigo?
Muito me deves , bom valedor tives^
te em mim« Valeo-me a mim minha
▼entura y responddo o Lobo , e na6 te
entender oí caçador : pelo que nada
te devo ^ ante» se bemdigo a tua lín-
gua , amaldiçoo tua cabeça , que tan<-
to fez por me descobrir^
MORALIDADE.
« Nota6-se nesta Fabula os que
9$ do mal j qufc urdiráô y ainda que
w naõ teve eífeito , querem tirar agra-
is decimentos , e mostra-se quanto pe^
n rigo seja quererem os homens em
>» seus trabalhos valer-se de seus ini-
»> migos ; que quando saò muito
99 fiéis , e primorosos , cuidaó qne
âf satisfazem com se mostrarem neu-^
99 traes. 99
FA-
DE ES O PO. TJ
FABULA L.
6 Asno , e a Cachôrkinha.
Vi
ENDO o Asno que seu amo brin-^
cava com huma Cachorrinha , c se
alegrava com eila y e a tinha á meza^
dando-he de comer , poraue o afíàga^
va vindo dç fóra , e saltava ncDei^
crêo que se outro tanto lhe fizesse ,
também seria estimado ; e com essa
inveja se vai ao Senhor em entrando
de fora , e pondo-lhe as mãos sobre
os hon^bros , começou a querer Iam-
ber-lhe o rosto com a língua, Espan-»
tado o amo y brada , e acodem os cria-
dos 3 e a poder dé muitas pancadas
tornarão a metter o asno em sua es^
trevaria.
MO
76 FABULAS^
MORALIDADE.
« NiKQUEM se metta a mostrar ha-
99 bilidades > que a. natureza ^Ihç ne-
99 gou. Cante o Musico ,' pratique o
99 Letrado , o Soldado trate de ar-
j> mas , o Piloto de sua Arte , e qiXQp.
99 qner metter-se nas alheias , pòr
» ganhar terra , e contentar a ou-
jf trem, oè sahira como este asno es-
99 páhcado ;^ ou o mandaráó á estrev^a-
V ria. n
FA BULA LI.
O LeaÓ , E o Rato.
E
I ST ANDO o Leatí dormindo 5 an-
davaõ huns Ratos brincando ao redor
delle , e saltando-lhe por cima., o
acordarão. Tomou elle num entre as
mãos , e estava para o matar ; mas
pelo ter èm pouco , e pelos muitos
rógcs , com quç lhe pedia , o soltou.
Sue*
DE È S Q P O. ^7
Succedeo dahi a .pouco tempo cahir
o Leaó éitt huma redô ,, onde ficou
liado , sem poder vaíer-se de suas for-
ças* E sabendo-o o Rato , tal diligen-
cia p6z , que roêo brevemente os Ja-
ços , e cordéis , e soltou o Lea6 5 qife
se foi livre > em pago dá bóá obra>
que ihe fez- «
MORALIDADK
« Ditas cousas temos"- aqui qtieno^
99 . tar : primeiramente o agradecimèn^
99 CO que se deve a qualquer boa obta,
yy e em especial a quem perdoa algum
> j aggrava , podendo -viogtfr-ge como
99 este Leaé pqdia. Se^ndariamente;,
99 quanto devem os poderosos estimar
99 a amizade de qualcjuer homem 5 por
99 mui. fraco dué sejat ; porque qual-
99 quer pôde fazer mal , e senaõ pó-
99 don tazet oflal , todos pódeiíi fazer
99 bem. ' r
w
FA*
79 FABULAS
FABULA LU/
O MlLHÁKO , E ^'k MaI.
E
ST ANDO o Milhanq enfermo , €
receando a morte ^ que via já. chega*
da , rogou de propósito a sua Mái
que fizesse-, póriui saípcle , romarias
aps Santos. Kespòndeo elia : De boa
wmtaáe , filho , as .íiz^a ; ^mas temaque
naô te prestem ; porque como ga»»
ta^tes ^ vida toda jem males y e sem**
pre .com teu esterco çuJAsties os Tem^
pios dos Santos > receia que maó me
queiraó oulrar ^ ainda :que ôs rogue pot
tua saúde. ^ •
MORTALIDADE.
r
. , ^ • • •
<( Bem está de ent:ender , que si«
99 gniíica este Milhonõ os homens , que
99 toda a vida saó estragados , e guar-
9> daô o arrependimento para a hora
99 da morte. Também esta Fabula en-
9> si-
DE E S O B O. 7^
n-sina quanto • riscb corrôittosque a^
>f gravaô áos Sántos.> ehòiis.,. emui-^
» tas vezes 5 porque, ptrmittf a Justi-?
» ça Divina que ás vezes nâõ sejaó
yf ouvidos » quánão èo ^úêtèãi valer
if delles.
'« i. .'■»■ • í'« •
FABULA LIIL
A P0R0A>. E O 1-ÔÍq/
I «j
El
rSTAVA hiima Pórcít com dôiaâ;
depáxir ^^ e.lhutâ. famiura Lobo set
chegou a ella y dizendo que era^ $eui
amigo , e tinha dó de a ver desampa*
rada , que queria servir-lhe de partei-
ra* Bem entendeo a Porca que vinha,
elle por lhe comer os íilhos j e dissi-
mulando disse que naò pariria em
quanto elle alli estivesse j que era mui
vergonliosa , e que se pejava delle ^
que era seu afEInado \ por tanto que
se fosse , e a deixasse parir , e que de-
pois tornaria. Fêllo p Lobo assim ^
mas
8o FABULAS
mas em se desviando dalli , a Porca
também se. foi buscar hum lugar segu-
ro , em que parir. ■ '^<i
MORALIDADE*
t€ O que tem fama de Lobo , quan-
do fa9 afiàgos se ha de fugir mais
delle , jíòfqué ostâés nunca fazem
bem por virtude , senaõ por seu ín-
tercsse^ E' âe&tes ^ quem na6 pôde
livrar-se por força , deve apartar-s«
com dissimulações ; que tanto e^^
vá: mais seguro de ' se queimar \
S quanto estiver mai&" longe de seu
ogo*
:ii
FA-
DE E S O P O. Zt
FABULA LIV.
O Velho > e a Mosca,
Repousava á soalheira hum ve-
lho calvo y com a cabeça descoberta ,
e huma Mosca naò fazia ^ senaÓ picar^
lhe na calva. Acodia logo o Velho
com a maó , e como elU fugisse mui
depressa 9 dava em si mesmo grandes
palmadas , de que a Mosca gostava ^
e se ria. Disse o Velho : Ride -vos em-
bora de quantas vezes eu der em mim i
que isso naõ me mata , mas se huma
só vez vos acertar , ficareis môrtá , e
pagareis o novo , ç o velho.
MORALIDADE-
€€ Mancebos ha , que em zombar^
>f e escarnecer dos hometis graves , 6
99 sisudos y saò. mais importunos que
J9 Moscas y até que o homem grave
V pelos castigar ihes descobre humá
F Mfal-
2i FABULAS
99 fiilta sua 5 com que os deixa mortos
99 de injuriados. Eu por esta/ Mosca ,
99 entendo alguns mui zelosos , que
>> trabalhão por dai* desgostos a senno-
í> res poderosos , ou fazem sobrance-
99 rias ás justiças , e escapaõ muitaá
99 vezes ; até que de alguma cahem
99 nas suas mãos , e os ílistigaõ de
59 maneira , que ficaÓ perdidos de to-
\ J9 do/
FABULA LV.
O Cordeiro , e o Lobo.
A
NDAVA hum Cordeiro entre as
cabras , e chegou o Lobo , dizen-
do-lhe : Nào' he este o teu rebanho,
vem commigo , levar-te-hei à tua Mâi.
Rèspondeo õ Cordeiro : Naõ que-
ro ; porque esta Cabra me quer mui*
to , e me faz mais mimo , que a seii
próprio filho. Com tudo , replicou o
Lobo ^ melhor estarás com tua Mai.
Bem
D E E S o P o. 83
Bein estou aqui , disse o Cordeiro ,
naõ quero pro/ar ventura , que por
bem que me succeda , naô deixará
o pastor de me tirar o yéllo ,^ e fi-
carei morrendo de frio*
MORALIDADE.
c€ Mo3TKA-NOS esta Fabula que a
>> companhia dos bons amigos he mais
» segura ^ cpie quanto parentesco
íj tem o mundo ; que o parente* sem
99 amor , nem he amigo , nem paren-
99 te ; e o amigo verdadeiro he pa-
99 rente , e amigo. Também o Cor-
» deiro nos avisa que quem está bem ,
jf naõ se bula por provar ventura ;
>> que esta he para quem naÕ a tem.
>> Quem está quieto , contente-se com
j» a sua sorte , e guarde-se de env»
>> peiorar. 99
^ÍJx . ^V
»4 FABULAS?
FABULA LVI.
O Homem Wbre , b a Cobra.
JlI um Homem pobre costumara
aflàgar , e dar de comer a huma Co«
bra , que em sua casa trazia , e em
3uanto assim o fez , tudo lhe hia por
iante. Depois , por certa agastadu**
ja y fez-lhe huma grande ferida. E
vendo que tomava a empobrecer , com
muitas palavras , e humildade lhe
pedio perdaõ. Respondeo a CoIhu :
Eu de Doamente te perdoo , mas na6
te ha de isto prestar para deixares
de ser pobre ; que esta ferida áem-^
pre me ha de doer y e sempre ha de
estar . pedindo vingança de ti.
MO ralidade:
€€ Quiz *Esopo mosírar nesta Fa-
99 bula o que cosmma6 dizer : A
99 quem aggravares na6 lhe crêas,
99 porque a memocia dos aggravos he
jícter-
D E E S o P o. 8^
79 eterna. Por tanto y quem injuriou
99 algum amigo seu y e depois se re-
>9 conciliarão , entenda que por mui*
99 to amigos que pareça estarem , e
99 que no exterior mostre naô lhe
99 lembrar nada , lá no mais secreto
99 do coração está guardada muitas ve-
99 zes a memoria da injúria, m
FABULA LVIT.
O BoGio 9 o Lobo y e Rapoza.
V^UÍERELOU a Lobo da Rapo-
za , dizendo que fizera hum
furto. Era juiz 6 Bogío. E a Rapo-
za neçou fortemente , disputando am-
bos diante do juiz , e cada hum des-
cobrio quantas maldades sabia do ou-
tro. Depois do Bogio os ouvir ,
pronunciou a sentença , dizendo que
o Lobo na6 provara bem ser-lhe fei-
to furto : mas que elle entendera
que a Rapoza tinha furtado alguma
cou-
\
1
S8 FABULAS '
>9 OS que soffrem com discríça6 , e
9> obedecem aqs tempos , ainda que
>> parí^^çaõ Qnanouras fr<ícas , perma-
9y neccm mais que os soberbos* 99
FABULA LIX.
A Formiga , £ a Cigarra.
N
O Inverno tirava a Formiga da
sua cova a assoalhar o trigo , que
nella tinha , e a Cigarra com as maoç
postas lhe pedia oue repartisse com.
eIJa , que morria á fóme. Perguntou-
Ihe à Formiga oue fizera no Estio ,
porque na6 guaraára para se manter l
Respondeo a Cigaira : o Vera6 , e
Estio gastei em cantar ,;e passatem^
pos pelos campos. A Formiga enta6 ,
Í perseverando em recolher seu trigo ,
he disse : Amiga , pois os seis me-
zes de VeraÓ gastastes em cantar , bai-
lar he ' comida- saborosa ^ e de gos*
MO-
D E E S o P o. 89
MORALIDADE.
€€ Notório he significar-se pela
ff Formiga o homem trabalhaaor ,
f » diligente , e guardoso* Por canto
9> nos ensina esta Fabula que seiamos
ff como a Formiga :. e na8 con&emos
f 9 no que outrem nos ha de dãr , ou
ff emprestar ; que com razaõ se pó-
f 9 de negar tudo ao preguiçoso ^ se
f j he como a Cigarra affeiçoldo a mu-
f> sica , e passatempos. Porém tra^
f 9 baliiar , e |;uardar he caminho cer<*
f9 to de nao haver mister a nin<*
f 9 guem. 9t '
FABULA LX.
o CAMINHANTE , £ A EsPADA
A
CHOU hum Caminhante hiima
aspada bem guarnecida em meio da
estrada , e perguntou-ihe , quem a
perdera , e deixara alli. Callou»-se el-
la.
\
90 FABULA S:
Ia, c estve queda. Depois^ sendo ou-
tra yez perguntada , respondeo : Nin-
goem me perdeo a mim , ainda que
me yez lançada nestei chaõ , antes eu
fizr perder a muita gente ; que dan-
do oeçasiões a brigas , matei dguns
homens , de que resultou ficarem per-
didos os matadores , e os mártos. mais
perdidos , se naõ cstavaõ em graça :
porque caminharão para o inferno.
MORALIDADE.
<^ Por esta espada entendo os ho-
99 mens desalmados , e mexeriqueiros^^
99 e que enganaô a gente moça por
99 mios respeitos , levando-a.a casas
99 de jogo 5 e outras pèiores , desvian-
yy do-os da desobediência de seus pais ;
yy poixjue estes mataõ mil vezes famas,
>> nonras , fazendas alheias , e também
>í vidas , e almas dos com que trataô
>> jumamente; w
FA-
D E E S o P o. 91
F A B U LA tXI.
O AsNO\, E O Leaõ.
E
NCONTRANDO-SE em hum ca-
minho o A^no com o LeaÔ , lhe disse :
Subamos a hum outeiiro , que quero
que vejas os muitos animaes , que haá
medo de mim. Rio-^e o Leao^ efoi
com elle. Zurrou o. Asno , e fez. fu-
Í;ir grgnde . número de lebres , coe^
lios , zorras , c outros semelhantes.
Disse-lhe entaó : Que te paj-ece ? Vás
este medo , com que fogem de mim ?
Fogem de. ti 5 respondeo o LeaÕ , os
fracos, que saó os que tobraô medo
de ouvir bradar ; mas eu sem brados
desfaço lásmãos os ipaiç ^valentes j pe-
lo que de nenhum , nem de ti tenho
temor.
MO-
9Z FABULAS^
MORALIDADE.
c< Certo he , nos que querem mos-
99 trar-se valentes , deitai-em entre
99 gente pacifica brados , e bravatas ,
99 pam comellas espantarem homens
9* fracos ^ e muito quietos -y mas o
» verdadeiro valente aíFronta-se de
M gritar , e de ouvir ; porque pe-
9> Ias obras , e naó pelas * palavras »
»9 se conhece cada bum. Na6 está
»> na bocca a valentia , no coraça6
9» consiste , e nos braços , parece-se
9i ò homem a)m o Asno ^ ou com o
99 Leaò. 99 , ^ ^
FABULA LXIL
A G&ALHA , E 4 OvELltA^
JljIUMA Gralha ociosa pousou so-
bre o pescoço da Ovelha , e alli a re-
pelava , e lhe tirava a la , picando-a
por entre ella. Virou a Ovelha o ros-
to
D E E S o P o. 93
to y dizendo : Essa manha ruim , e an«
tiga houvéreis de deixalla esc^uecer ;
que podeis ir picar hum rafeiro no
oescoço , c matar-vos-ha levemente,
Kespondeo a Gralha : Já sou velha , e
sei muito , e conheço a quem posso ag^
gravar , e a quem devo aftagar. Na6
temas que me ponha no pescoço do
caò , senaó no teu ^ que me naó podes
fazer mal.
MORALIDADE.
•
c< Esta Gralha significa alguns mal
» revoltosos ^ que de contínuo andatf •
9 molestando com obras , e palavras
9 OS homens de bem , e paciiicos : mas
9 quando encontrão algum duro dos
9 fechos encolhem os hombros , e pas^
9 saô com cumprimentos ; porque com
9 ovelhas saò Gralhas , e com Rafei-
9 ros sa6 Ovelhas.
FA^
S>4 FABULA S:
CABULA LXIIL
õ Boi , E* o Veado.
p
OR fugir o Veado de hum caça-
dor , se acolheo á Villa , e entrandcj>
medroso em huma estrebaria , achou
o Boi , a quem perguntou se podia es*
conder-se alli. Disse o Boi que era
muito certo o morrer , e que antes de-
yêra tornar-se ao ráato , e com tudo
ò escondeo , e o cobrio de palha. Veio
o dono da estrebaria , e olliando por
elle 5 vio as pontas do Veado. Foi
descobrillo, e achou o que era« Mas
disse-lhe : Já que de tua vontade vies-
te á minha casa , naò te quero ma-
tar , senaô defender , e fazer muitos
mimos.
MORALIDADE.
<c MviTos, de mofinos, por fugi-
am rem da sertã ^ cahem nas brazas :
99 mas
D E E S o P O- ^^
99 mas ha alguns ditosos ^ cõmó este
99 Veado ; e ditoso he quem sendo
>> perseguido , aeerta de se acolher a
99 casa de Fidalgo , que o naõ sej4
5> SÓ no nome ; porque o tal ( ainda
99 que por outra parte dpseja beber o
í> sangue daquelle , que se vale de sua
>9 casa ) obrigado do seu pundonor o
>> salva 5 e favorece , deixando ódios
>5 de parte por guardar pontos do
#> honra.
FABULA LXIV.
o HoMEAf > E o LeáÔ. ^
A
NDANDO o Leaó á caça , met^*
teo hum estrepe no pé , com que naá
podia bolir-se. Encontrou, hum ho*
mem , e mostrou4ho , |)ara que lho ti»
rasse. Fêllo assim o homem , e fo
Lea6 em paga partio da caça com d*
le. Dalli a muito tempo foi tomad»
€SIQ LeáÕ para certas testas ^ e nellas
SC
«6 FABULAS.
se lançâvaò homens , para aue os ma«
tasse. Entre elles lhe lançarão esite^
que. o curou , que estava prezo por al-
gumas culpas. Porém o Lea6 naó só a
naõ matou , antes se póz em sua guar-
da , e o açomoanhou toda a vida , ca*
^do para elle.
MORALIDADE-
cc Na6 he só Fabula a de cima ^
mas historia verdadeira ^ que Appi-
no Polibio Grego a conta , e Aula
Gelio nas Noites Atticas , e delle
o traz Baptista Fuigoso no quinto
Livro. Todos dizem que o. homem
era cativo , e se chamava Androni-
CO. Deste LeaÓ , naó fabuloso , $é-
naó verdadeiro, podemos aprender
a ser agradecidos a quem nos fazr
bem , pois vemlòs que hum bruto
taò feroz mostra tamanho, agrade*
cimento. Pela mesma occasiaô dizem
que teve outro LeaÓ S.Jeronymo^
que lhe servia de carga , e compa-
nhia» >»
» -
D E E S o F o. ^
FABULA LXV.
O LOBQ ^ £ A RaPOZA.
O
LOBO se aparelhou , e proveo
sua cova muito bem de mantimento*
A Rapoza ciiegou ^ e disse que
obrigada de amor andava traz elie ,
por vêllo , e serrillo* Na6 quero teu
serviço , disse o Lobo ; que tua in-
tenção naô he senaô roubaf-me , e
comer-me o que eu tenho. Vendo-
8e a Rapoza alcançada , buscou quent
matasse o Lobo , e metteo-se de pos-^
s^ da sua cova , e de auanto estava
nella \ mas sobrevindo nuns caçado-
res , foi achada dos cães , e feita em
pedaços. .
*
MORALIDADE/
c< Na morte desta Rapoza se de«
f9 clara o fim , que merecem os que
95 dcsejaô ^ e procuraõ a morte a seu9
G » pa-
FABULAS
>s parentes pôr herdar delles ; que
j* os caes , se ch^aõ a alcançar o
» que pretendem por meios taá illi-
» eitos *, as mais das vezes na6 o
» goza6 ; e muitas o perdem com
, » a vida , e honra ; porque o mal
>» adquirido , dizem os Latinos , que
>» por entre as mãos se escorrega. >*
FABULA LXVI.
O LeaÓ , E OUTRCS AnIMAÉS.
E
LEITO o Lea6 , Rei de todos os
anímaes , prometteo de a nenhum fa-
zer mal. É logo chamando-os a cor-
tes 5 os poz por ordem , e corria-
os , dando-lhes a cheirar o seu bafo.
Os que diziatí que lhes cheirava mal ,
os matava. Os que diziaõ que bem ,
faúa-os. Andando assim chegou á
Mona, e pergumou-!he , como a to-
dos , se Oie fedia o bafo. A Moda
a cheirou , e dizendo que na6. fedia j
15 É Ê S o P O^ 99
$t fòL Porém o Leáó , pela matar ^
se íingio doente , e disse que sararia
se a comesse. E por e^ta manha to^
mou occasiaô ဠa matar.
moílalidade/
€i Por mais Bogiò que o homem
39 seja j liaó pôde livrar-se do Rei
^$ manno j porque ou falle , ou natí
>i ialle y cu diga bem délle y ou mal ,
99 lá se ha de buscar huma occasía6
^ de o destruir , e como ^ pôde , c
99 quer y faz tudo a seu saívo^.»»
FABULA LXVII.
O Veado ^ £ o CAqAiK)R.
B
E3ENDO o Veado em huma rn
beira , vio nos seus cornos , ramos ,
e as perjias delgadas : parecêra6-lhe
as pernas mal , e ficou pesaroso de
as ter 9 c por outra parte xzó satiiH
G ii fei-
•<xfo fabulas;
feito da formosum dos comos , que '
se fez soberbo de contente. Ainda
-bem na6. sahia da agua , quando dá
sobre elle hum Caçador. Foi-lhe forr
çado valer-se dos pés , que pouco
antes despreisára ^ e elles a punhaó
em salvo. Mas entrando por hum ar-
voredo basta , embaraçavaã^se-ihe os
cornos com os ramos das arvores^
com que se embaraçou , e foi toma-
do. Pelo que dizia , vèndo^se pireso^
^e ferido : Grande parvo fui ; que o
jque me era bom aesestimei y fazeur
do .muito caso do:qu.e me causou .a
morte.
MORALIDADE.
€c . A CEGCEtRA deste Veado temos
99 todos os que temos nossa bema-
99 vcnturança em haver cousas , quê
«99 depois de alcançadas , ainda Que
.9> no principio nos alegrem , sa6 der
V99 pois causa de nossa destruição.
9> Por tanto aprendamos a pedir
^99 aDjeos nos dé cousas ^ C019 que o
9> sir-
DE E S O l^a roí
>9 sirvamos , e nos salvemos ; por-
>9 que elle sabe o que a cada num
í> ne bom , e nós naõ sabemos na-
$ da» >» * '
FABULA LXVIII. :
■
. ■ ■ ■ ■ • ■ •
A Bicha y e a Liwa*
D USCANDO a Bicha de comer na.
renda de hum ferreiro,- foi topar cora^
duma lima , e quiz roella j mas co-
mo os 4entes naó.. entravai peU aço ,
iava-lhe muitas voltas , virandô-a de
odas as bandas. Enfadada a Lima de
mdar aos: tombos , lhe disse : Que
íazes parvoa ; naõ sabes que sou de
íerro , e lima ? Por muito que tra-
balhes desfarás 0$ dentes , ou com os
meus de aço bem temperados , corta-'
rei dentes , e qualquer arma a quem^
chegar , cm pouco tempo.
US>
ID» FABULAS
MORALIDADE.
í€ Dous valentes sempre fogem de
•f brigar , e hum ir*ío poderoso guar^
99 da-sç de pelejar com outro pode^
» roso máo, Que entre ijguaes he a
)> briga duvidosa. Com os menorçs
•> cad^ hum quer ser lima , e ser bit
99 cha. Nos grandes ninguém ousa
ff mettçr dentes j porque também os
ff tem para morder , e dizem que
ff de cossario a cossario ná6 sq per-^
ff dc mais que a monçaóf ff
FABULA LXIX.
os Carneiros , e CARjíicçiROt
E
STANDO juntos huns Carnei-
ros , entrou o Carniceiro ; e elles na6
se alvoroçarão , nem fizeraó caso dis-
so, Tpmou o Carniceiro hum , e lo-
go o matou ; e nem com vêr o san-
gwç t^mêraÕ os outros. Foi por dian-
te.
D E E S o P o, joj
te, e os^matou a todos hum a hum
até o derradeiro , que vendp-se ma-
niatado , disse : Por certo , com ra-
zão padecemos , pois vendo o nosso
mal naõ quizefnos entendello. No
principio ,ás marradas nos poderamos
defender , vendo que nos matavaõ ,
entaò naÕ quizemos ; agora eu só
naõ posso : e assim acabamos tor.
dos.
MORALIDADE.
<« Diz o provérbio Portuguez que
M quando arderem as barbas de teu
99 visinho 5 lances as tuas de remo-
99 lho. Quem nos perigos alheios naá
99 se avisa , naõ he avisado ; que ma-
9> les alheios , bem notados , saõ dou-*
99 trina proveitosa para o pnidente,;
5) mas quem o he taõ pouco , que se
>> deixa ir pelo caminho , por onde vé
j> que se perdem todos , este tal se
M perderá por sua culpa , e morrerá
» conio o Carneiro. »
, J04 FABULAS
FABULA LXX.
O Lobo , e o Asno doente.
E
STAVA p Asno mal disposto ,
c foi o Lobo visitallo , fázendo-se
muito aipigo. Tomou-lhe o pulso,
correo-lhe a maÕ pelo rosto , e dis-
se que queria curailo. Estava o As-
no quedo , bem desejoso de se vêr
cem legoas do Lobo , o qual lhe
apalpava os membros todos : pergun-
tou onde lhe dohia , e apertava-o , e
arrepelava-o tanto , que disse o As-
no : Onde quer que me pões a maô,
logo ahi me doe j mas rogo-te que
te vas , e naõ me cures , que ido tu ,
sararei logo.
MORALIDADE,
<< Nunca sa6' os máos taô peço-
99 nhentos , como quando encobrem
79 a peçonha debaixo de mostras de
»amor.
DE E S O P Ò. lój
Í9 amor. Porque em fim sempre o Lo-
39 bo he mao ; mas quando affaga
^9 he peior : e mostras de piedade
>j no homem cruel , sa6 laços qutf
>» arma para destruir o Asno , que se^^
99 fia delíe. >>
FABULA LXXI.
A Pulga , e o Camello.
X OZ-SE huma pulga sobre hum Ca-
mello carregado , e deixou-se ir sobre
a carga huma jornada , no fim da qual
saltou abaixo , e sacudindo-se , disse :
Folgo em verdade de me descer : por-^
que /tinha' dó de ti : agora irás leve
com pouca carga. O (Jamello se rio
deste cumprimento , e respondeo :
Nunca te senti se te levava em cima >
nem tu podes carregar-me , nem alli-
viar-me ; que naõ tens pezo para is-
so.: A carga que eu levo , essa sin-
to. Tu naó tens pezo para te sentirem.
Ma
io6 F A B U LAS
MORALIDADE.
€€ Homens ha leves como pulgas,
99 que por se mostrarem de muita im-
5> portancia , e privados de senhores y
5> naõ fazem senaõ entrar , e sahir
5> em suas casas , e tomaõ a maõ a
99 outros , que vaõ como os Camellos
99 carregados de negócios , somente por
>> mettêrem em cabeça a quem sabe
5> pouco delles , que saõ tidos em con»
5> ta , ou que prestaõ para alguma
» cousa,
FABULA LXXII.
o CAqADOR , E AS AvBS.
G
ONCERTAVA hum pobre Ca-
çador as varas de visco ; e as Aves
olhando , estavaõ cantando á sombra
das arvores , e gabando-o de bem-
feitor , e primoroso. Hum pássaro
já experimentado disse aos outros :
fu-
D E E S o P o, i(í)7
fujamos logo todos , porque este que
vedes , naé qUer mais que enviscar^
nos 5 e prender«^nos. Andemos pelo ar,
até vêr o que acontece a outrem ; por-»
que este , c todos como elle ^ quan-
tos de nós houverem ás mãos , ou lhes'
torcem o pescoço , ou lho çprtao , Q
mortos 3 ou presos nos mettem em su^
taleiga,
MORALIDADE.
<< Semej:,hantes saô a estas av^,
9 os que naõ conhecem o seu mal y
9- senaõ quando cahem nelle. Mas q
9 pássaro velho significa qualquer ho-
9 mcm sisudo de experiência , cuja
9 conselho bem recebido muitas vezes
9 livrou muita gente da morte , e Ci-?
9 dades , ou Províncias inteiras de to-
9 tal destruição.
FA-
io8 FABULAS
FABULA LXXIII.
O Cervo , e o Cavallo.
E
ELEIJÁRAÕ algumas vezes sobre
© pasto 5 o Cervo , e o bom do Cavai-
lo 5 e porque o Veado com os cornos
fez sempre fugir o Cavallo 5 foi-se a
hum homem , e disse-lhe : Põe-me
hum freio , e huma sella , e sobe so-
bre mim 5 e matarás hum Veado , xjue
aqui anda. Fêllo o homem assim : e
morto o Veado , quiz o Cavallo que
ise apeasse ; mas o homem àcolheo-se .
á posse 5 e o Cavallo ficou sempre su-
jeito ao freio > e selia , e a andar de-
baixo.
MORALIDADE. ;
€€ Est/ Fabula traz Horácio no
99 primeiro das Epistolas , e declara ,
>5 entendendo pelo Cavallo , aquelle
j> que por comer ^ ou levar vaiitajem
DE E S O P O. Í09
93 a outro y acceita sçrvir a alguém ,
99 porque ficará sempre servo , por
9» naó se contentar com o que lhe bas«
:t9 tava.
FABULA LXXIV.
O BUITRE y IS, MAIS PASSAROS»
O
BUITRE ccfnvidou a banquete
todas as outras aves , dizendo quô que-
ria solemnizar o seu Natal. VieraS
muitas delias , e recolhe ndo-as todas
em hum aposento , depois que íora6
horas de cear, como todas estivessem
assentadas esp^^ndo , vem o Buitre ^
e cerra as portas , e começa a matallas
a huma e huina. Todas com medo
avoejayaõ , por na6 haver alguma que
se atrevesse com elle. E em fim elle
sem. piedade as matou ^ porque para
isso as convidou ^ ou ao menos para ás
pilhar* .
mo'
tio F A B U t À S
MORALIDADE-
' << Quando ricos y e poderosos . fa-
39 zem aos pequenos mais honra do
99 que GoárumaÕ , ou os convídáÔ com
» hmna mercç de bocca , ou com hu-
99 ma cadeira grande fóra do costu-
39 me , por averiguado tenhaõ que ou
99 sahiraõ móftos , ou pellados. -Por-
)> que os taes ordinariamente na6
>9 estimaó os outros , sena6 para seu
i> proveito , para se servirem , ou das
39 pessoas ^ ou das fazendas.
FABULA LXXV.
A Raposa 3 e o Lea6.
F
INGINDO-SE o LeaÒ enfermo,
visitavaõ-o os outros animares 5 e de
3uantos entravaô na cova , nenhum
eixava sahir. Elles obedeciaõ como
a Rei } mas o Leaõ a hum , e hum os
comia todos* Por derradeiro chegou a
Ra-
DE E S O P O. ni
Rapoáâ á porta da cova , e pergun-
tou-lhe como estava ? Respondeo o
LeaÓ 5 porque na^ entrava a vêllo ?
Respondeo a Raposa que naó €ra ne-
cessário ) que devia estar a c^sa cheia
de gente ; que ella via muitas pega-
das dos que entravaõ , e nenhuma de
que sahissem para fora.
MORALIDADE.
€€ TamôeM Horácio explicou esta
39 Fabula , comparando-se a si mesmo
99 còm a Raposa , dizendo que na6
99 queria seguir os vicios dos Roma-
jy "nos 5 porque vio como nenhum es-
>> capava do castigo. Serve-nos logo
>> de aviso que , ppis vemos por expe-
» riencia os males som remédio, em que
j> daõ os homens estragados , que per-
>> severaõ em seus erros , fujamos n<Ss,
» como fazia esta Raposa , de seguir
9> suas pegadas , naÔ nós aconteça ou-
>» tro tanto.
Fi-
iiz^ FABULAS
FABULA LXXVI.
O Carneiro grande , e peqvenos.
X RES Carneiros moços , e hura
marroco andavaõ pastando. Sahio o
velho coírendo , e fugindo. Os outros
estavaô pasmados , sem saBer a causa,
e como naõ entendiaõ seu perigo,
riaó^se do medo , e fugida do maiTO-
co ,, o qual vendo-os escarnecer lhes
disse: Vós sois loucos , e ignorantes.:
naõ vedes ' que quando vem o carnicei-
ro sempre mata os maiores ? Eu por
isso fujo. Mas quando elle vier , evos
matar , pesar-vos-ha de terdes escarne-
cido , e esperado.
MORALIDADE.
<« Ordinária causa he néscios , t
99 cobardes zombarem de sisydos , .ç
99 esforçados , e os menores dos maio-
>> res j porque como os grandes tem
A, r 99 mais ,
DE E S Ô P O. irj
•i earriscaô mais nos perigos , procu-»
>> raõ com aviso guardar-se delJes. Mas
99 OS néscios , como naõ julgaõ isto poí
93 aviso , áenaô por cobardia , iiem en-
j> tendem as cousas , como carneiros
99 mamões y zombaó simplesmente dos
99 homens abalizados*
FABULA LXXVII.
O LeaÓ 3 £ o Homem.
o
HOMEM com o LeaÓ alterca-
rão sobre qual era mais valente* O
Homem , para provar sua tenjaò , o
levou a hum sepulchro , onde estava
de pedra hum homem aíFogando hum
Leaô y que tinha debaixo de si* O
LeaÓ se rio de ver isto , dizendo : Sa
iiaó fora homem o que Isto aqui poz^
podéra ter algum credito , mas sendo
liomem he suspeito. Por tanto , deL
xemos pinturas , e provemos isto pe-
lo braço. E logo isto dito estendeo o
H Ho-
114 FABULA S
Homem no chaó , e o outou com mui*
ta facilidade.
MORALIDADE.
«c Mostra esta Fabula que he cou««
99 sa perigosa querer com palavras ap^
99 parentes contradizer a verdade ma*
99 ciça i poi^que fazendo-se depois pró-
99 va > nca a mentira manifesta , e
99 quem a defendia morto , e injuria-
99 do : que a injúria he no homem di«
99 gna de se sentir , e achar-se nelle
99 Que nega maliciosamente a verda^
99 ae.»
SUF^
••X •»* *v* *»* *x ^i!^ 'V' *v* *¥ *v* 'V^^v' "V* *y* ^fÇ
^1^ «A« «í^ «X« J^« «Atf *A« «A« JV« «X* «A* »X* »A« «A* ^A:^
SUPPLEMENTO
FABULAS
D E E S O PO.
FABULA L
A FâNELLA de BARKO « £ a de COBRld.
H
.UMA corrente de ágiia levava
duas panellas ^ humâ era de cobre y ou-
tra de barro ^ e cada hurria hia por
sua banda. Disse a de Cobre á outra :
Cada huma de nós só naó tem força
para fazer resistência á agua ,. tíias
chega-te a mim , e ambas poderemos
resistir-lhe. NaÒ quero ^ disse ã do
H ii bar-
író F A B^L A S
tarro , nem me vem bem , porque se
ria agua tu me deres huma topada^
ou ta der a ti , de qualquer maneira
tu ficarás, sa, e eu fi^ime-hei-çnil pe-
daços.
MORALIDADE.
ے QuEMi f^2: bando com homem
mais poderoso , corre grande risccf,
porque em fim os poderosos saõ de
cobre , e os pobres de barro , e sem-
pre quebra a corda pelo mais fra-
co, ti se dous poderosos. tem brigas,
e depois querem concertai-se , fazem
taó pouco caso da honra dos pobres^
que os ajudarão nellas , que muitas
vezes fazem concertes , como fez
Augusto com Lépido , e Marco
António , que por se vingarem d^
seus inimigos , cada hum entregou
seus axnigos á morte»
FA-r
*;
D B E S O P O. ftr
FABULA IL
o ASPÍDE y E SEU HoSPEbE.
H
.UM bicho 'p^çonliento,: por no-
me Áspide , se recolheo em casa de
hum Homem , que o agasalhou , e
manteve-o alguns | dias. Era 'o' bicho
}U*çnhe , e parip alli , c hum dos fi-;
hos mordeo h;am filho' do homem >
de que morreo. O Áspide , que vio o
homem chorar diante deUe , matou to-
dos os filhos , ese sahio de tasa , e
nunca mais tornou a ella.
MOP^ALIDADE.
i< Esta Fabula trkz pòí verda^
5> deira Baptista Fulgoso no quarto
79 Livro. Ecom'0 exemplo deste bi-
99 dio repreh^ende os que naó saõ agra-
^9 decidos aos beiíeficios ^ ^ que rece-
» bem : pois hum bichinho irracional,
99 e de natureza máo 9 mostrou aquém
» lhe
Ii8 f^ABULAS
»> lhe fez bem , taô grande agradeci»
9i mentcu»
FABULA IIL
O Ca6 ) E sÈu Dono.
H
UM Ca6 de hum OrtelãÓ cfie-
gou ao poço , e como em baixo vio
sua figura , começou a afi^içoalla ; e
tanto rez , e boUio , que cahio no po-
ço. Andava o Ca6 meio aíFogado ^ e
b Ortelao com dó dclle desceo abai-
xo junto da - agua , para o tirar , d
como lhe pegasse , o Ca6 lhe metteo
os dentes no braço , e o atravessou :
o OrtelaÔ o largou com a dôr , e o
Caó dahi a pouco aífbgou-se.
MORALIDADE.
€€ Por este Ca6 se entende o pec*
99 cador , que quando alguém com
í> bons conselhos o quer tirar do po-
j>ço
D E E Ç o P o. 11^
»> çô dos peccados vxra-se a mordello
99 com aíFrontas de obras ; mas o que
99 sanha o tal he que seu ajudador o
jk9 larga , e se Deos naó lhe acode af-
99 foga-se , e acaba em seus vícios y
99 para ir começar a (pagallos no in-
99 terno, ^i
FABULA IV-
A RArosA ^ £ A Doninha.
A
RAPOSA andava faminta , e
por huma greta da parede entrou em
num celleiro de trigo. Como lá se
achou dentro fartou-se á vontade , e
engrossou de maneira , que naó pode
sahir por onde entrara. DisseJhe en--
taó a Doninha : Se te agastas de te
ver preza V, torna a adelgaçar , e po-
derás sahir. Disse^lhe a Raposa : Tu
|:ens razaõ , e eu antes quero padecer
fome y que estar preza.
. . MO,
120 FABULAS
MORALIDADE.
€€ Quanto o homem mais tem ,
^9 mais prezo está , e mais sujeito he.
^9 O pobre pôde entrar, e sahir sem
99 pejo 5 e se naõ come tanto , tem
99 maior liberdade, a qual pornenhu-
>5 ma fartura deve troçar o homem
99 sábio. 99
FABULA V.
A Nora « e a Sogra.
H
UMA mulher casada , que ti-
nha sogra , estava muito mal com.
ella 5 e huma á outra s(e tinhaõ má
vontade. Acertarão de mandar a esta
mulher ceitas cousas de doce , entre
as quaes vinha huma mulher , feira
de espécie. E disse quem as trazia ,
que aquella era a figura de sua so-
gra. Ella partio huma migallia , que
DE E S O P O. 121
metteo na bocca , e tornando-a a cus-
pir y disse : Basta que he sogra , que
até de aguçar amarga.
MORALIDADE.
€€ Alem de mostrar esta Fabula
79 huma cousa taõ ordinária como he
99 ódio entre noras , e sogras , tam-
99 bem nos ensina quaó má cousa he
99 o ódio 5 e quanto para fugir , pois
99 faz que o açúcar pareça fel ; co-
99 mo se vê muitas vezes , quando
99 a boa obra , que hum inimigo faz
99 a outro^ 5 elle a na6 quer aceitar ,
99 antes a desprcsa , e lem por má. » *
FA-
na FABULAS
FABULA VI.
O Asno > e a Cob&a.
p
EDIRAÕ os homens a Júpiter ,
cm paga de hum serviço , que nun-
ca envelhecessem j o que elle conce-
deo. Tomou a mocidade , e póUa so-*
bre hum Asno , e mandou que a le-
vasse aos homens. Indo o Asno seu
caminho chega a hum ribeiro com
sede : estava neile huma Cobra , e
disse que o na6 deixaria beber da^
quella agua , se na6 lhe desse o que
levava ás costas. O Asno y que naó
sabia o preço , lhe deo a mocidade
pela agua. relo que os homens ficá--
ra6 envelhecendo , e as Cobras re-
novando-se cada anno.
/ .
MO-
P E E S o P o. 113
MORALIDADE.
€€ Mostra esta Fabula que as cou-
V sas de importância naÕ se commet-
3> tem a homens parvos ; porque qual-
79 quer manhosa cobra com qualquer
i> cousa os vence , e faz que descu-
>9 bra6 o segredo alheio , ou desba-
99 ratem os negócios , què lhes saó
39 commettidos , ciíjo pezo , e im-
99 porcancia naô entendem. >9
FÁBULA VII.
o Corvo , e o Escorpião.
s
AHIA da sua toica h^im Escor-^
piaõ , e o Corvo , que o vio , aba-
teo-se á terra , e o levou nas unhas :
depois de voar hum espaço , para
comer o que caçara , pousou no cha6 j
mas o Escorpião picou o Corvo de
maneira , que cahio morto , e eile
foi livre em pazt
MO-
\
?i4 FABULAS^
MORALIDADE.
«..
<í Este Corvo significa os quc:^
99 como diz o adagio , vaõ buècar.
99 lã , e tornaó' tosquiados. Assim
99 acont«:c muitas vezes que queia
'99 arma a trampa , esse cane nelJa y.
99 e o que ordena a trahiçaô morre
99 em poder de (rahidores. 99
* • -
FABULA VIII.
O LadraÔ , E O Anjo.
D
ORMIA o Ladraô ao longo dç
Jiuma parede , e vio entfe^ sònlios
hum Anjo ^ que o acordava, dizen-
do : Levanta-te , e giiarda-te daqui i
Acordou o Ladraõ , e apartando-se
da parede ., vio-a vir de súbito ao
chaè. Ficou deste acontecimento mui-
to alegre , e. soberbo , crendo que
por sua virtude o guardara Deos. Ma5
tor*
DE ESOPD. 11^
tornando a dormir , .tornou a vêr o
Anjo , ,que lhe di^fciá. Kàõ te enso-
berbeças • que se hontem te guar-
dei , Foi porque naõ çra aquella tua
morte , se naó a da forca , para que
estás guardado.
:■ MORALIDADE.
«< Na forja do infem/b va6 a pa-
9j rar os que das mercês , que Deo$
i9 lhes faz , tomaó occasiaó de o of^
99 fender , e serem mais soberbos. B
99 esta Fabula nos avisa , e ensina
>> que a muitos favorece a fortuna
99 por seu mal. Muitos vivem , que
5> lhes fora melhor morrer- Pêlo que
>> hum Philosofo , escapando de hu-
99 ma casa , que se arminou , e ma-
>> tou muita gente , disse com -ho*
99 mildade : Oh ventura , para que
99 occasiaó me terás guardado ? 99
FA-
n6 FABULAS
FABULA fX.
A Bicha , e o Cabrito.
A
NDAVA pasmando huma Cabra
com o íílho apoz si , e pízou huma
Bicha acaso com os pés , , ella assa^
iihada , levaiítando-se hum pouco ^
picou a Cabra em huma teta ; mas
como o fUhò logo viesse a mamar y t
chupasse^- com o leite a peçonha da
Bicha > salvou a Mai ^ e elle mor*
reo.
MORALIDADE.
«
€€ MosTRA-SE nesta Fabula o aue
99 acontece muitas vezes nesta vida
99 pagar o justo pelo peccador , co-
9» mo a(}ui pagou o íiDio pela Mai ,
99 e muitos filhos saó temporalmente
yy castigados pelos peccados dos Pais :
99 antes o mundo he taõ contrario aos
99 justos ^ que^ como o Poeta diz ,
99 Ma-*
W!
t) E E S O P O. 127
»9 Mata as pombas ^ e cria os cor-
99 vos : quer dizer : Sustenta aos
99 mios y e persegue os innocentes. >»
FABULA X.
A Rafoza y £ O Lea6.
X INHA a Rapoza sua cova bem
fechada ^ e estava dentro gemendo,
porque estava enferma : chegou á
porta hum LeaÕ , e perguntou-lhe
conK) estava , e que lhe abrisse ,
porque a queria lamber , aue tinha
virtude na lingua , e elle lamoendo-a ,
logo havia de sarar. Respondeo a Ra«
poza de dentro : Na6 posso abrir,
tiem quero : creio que tem virtude
a tua lingua ; porém he taõ má vi-
zinhança a dos dentes , que lhe te^
nho grande medo , e por tanto que-
ro antes soíFrer-me com meu maU
MO
138 • F ABULA»
s
MORALIDADE.
« AvKA-Nos esta Rapoza quá
99 quando nos oi&recem alguma obra
99 boa , notemos as circunstancias dei-
99 la ^ que ás rezes saô taes , que
M custaó muito mais do que vaie a
>> obra pia, >9
FABULA xi.
■
Hercules , e os Piqmeos*
XN A terra dos Pigmeos , gente
que naó chega a dous palmos , esta-
va Hercules dormindo á sombra do
huma arvore com a sua Maça . a par
de si 5 e a pelle do Lea6 á cabecei-
ra. Juntára6-se muitos Pigmeos apos-
tados a matallo , e foraõ pegar nel-
le 5 de modo que acordou. E só enr
xotando-os com a pelle do Leaõ , co-
xno quem enxota mosquitos y /natou
gran-^
DE.ESOPO. 129
glande numera delies , e tornou-se a
deixai* donnir.
MORALIDADE.
< •
« ÂI.C3ATO nos seus emblemas poz
^» esta Fabula. Entende por estes a
39 gente temerária , que, naó medin-
99 do suas fdrças , commette cousas
>9 maiores do que elles podem aca-
» bar : e nasce daqui qiie morrem
99 parvoameme ^ e fica6 para sempre
» ai&ontados. »>
FABULA XII.
O Ca^ABOR y £ A BlC3ÍA.
H
UM Caçador armava laços aos
Gaviões ; e coni a espingarda tam-
bém andava a matar tordos^ Succedeo
que trazendo o sentido nas arvores ,
e os olhos , pizou huma Bicha com
o pé , sem o saber , a qual o mor-*
I deo
tso FABULAS
deo no calcanhar , de que inchou lo-
go. Estando assim acabando , disse :
Morro , e com tazaõ me castigou a
Biclia j porque estando na terra quem
podia matar-me , eu me occupava
cm querer matar os que^ andavaõ so-
bre as nuvens.
MORALIDADE.
] €t Nesta Fabula do Caçador sé
n reprehende a vaidade dos Astrolo-
99 gos , qiie querem adivinhar as
99 cousas do Ceo , naõ entendendo ,
5> pela Biaior partç , bíst á^ terra ; e
99 gastaó o tempo em' querer com o
5> entendimento caçar , e saber as mór-
5> tes alheiaff , e nunca entendeni a
j> sua y nem sabem guar^ar-se del-
99 la. >9
FA-
DE E S O P O. ijx
FABULA XIII.
A Cigarra , e a Andorinha.
A
ANDORINHA criara seus fi-
lhos y e buscaado-lhes de comer , to^
mou huma- Cigarra na bocca. Pedia^
lhe ella que a soltasse ^ e allegava-*
lhe que era6 ambas conformes ; por-^
qtie ambas eraó musicas , e ambas
cantava6 somente pelo VeraÕ. Pois
só por isso , dis^e a Andorinha ^ por^
qtie tu me arremedas , te matara eu ^
ainda que meus filhos na6 tiveraó ne*'
cessidade. * v
«
MORALIDADE.
« Prova-se nesta Fabula que ô
» oíEcial de teu oiSicio he teu ini«
yj migo^ >»
lii FA^
Jt3i FABULAS
FABULA XIV.
O Soldado , e o Pifanô.
H
UM Soldado velho aposentado ,
e enfadado da guerra , por se tirar
de occasiões , assentou de queimar
todas as armas , úue tinjia , e pon*
do-o emeíFeito tinlia entre ellasnum
Pifano , o (juai lhe rogava que naó
quizesse queimallo , dizendo «que el-
le naô era arma , nem instrumento
de matar , ou ferir , pelo que naò
merecia pe;iiu Tu a mereces maior y
respondeo o Soldado , e a ti hei de
queimar primeiro ; porque na6 pres-
tando tu para pelejar ^ atiçavas os
outros y se matassem na peleja , e
Ipgõ o queimou com as armas.
MORALIDADE.
« Na figura do Pifano se mostra
9$ o castigo , que merecem alguná
» CO-
DE E S O P O. 13J
>> cobardes , que servem de urdir
>9 brigas com a lingua , e tomaõ O
M ofEcio do diabo , tecendo meadas ,
>> e incitando a mal , gente pernicio-
J9 sa na República ; e que os deli-
99 ctos , que por sua causa se fizes-
99 sem , devêraó ser castigados em
>9 dobro. 9)
FABULA XV.
o Homem > e a Bukra.
H
UM Homem trabalhador cavava
em huma horta de noite , e de dia
em plantar couves , e outra hortali-
ça , e tanto que cresciaõ , mettia
dentro huma burra , que naõ fazia
senaò comer-lhas j pelo que , com tc-
do seu trabalho cada vez era mais
pobre. E queixando-se disto a hum
visinho 'y respondeo-lhe : Vós sois cé-
fo. Quanto trabalhais vos come a
uirra. IVabalhai menos , e guardai,
. . dei-
134 FABULAS
delia vossa hortaliça , luzií-vos-ha o
trabalho.
MORALIDADE.
i€ Nesta Fabula se pinta o quej
99 acontece ao homem amancebado j
9> ou casado com mulher esperdiça-r
99 da. Cava , e súa , e ella lhe con-
99 some tudo. Do que o visinho lhe
99 aconselhava podemos aprender a
9'9 fugir de más mulheres , e olharem
99 por suas fazendas os que as tem
99 próprias , e desbaratadas , se que-
99 remos que nos luza a que trabá-
99 Ihamos. 99
F IM.
IN.
• t •
IN Dl G Eí
Prologo. d« EdUor, . "i
j^^^ ífe Esopo. ... ' • xiii
O Gi///í , e a Pérola. • .. i
O Lobo 5 ^ e? Cordeiro. . • 3
Õ Ltfí^ , e as Ovelhas. . • 4
O i^/ V^J jBí?^/W , e dous Hoíftens. 6
AAndprinba , e outras Aves. 8
O Rato ^ e a Ra. . • • . 9
O Ladrão , e o Cao de casa. . n
O CaÕy e a Ovelha. ■ . . I2r
O C/íí? ;, e a Carne. -. . X4
A Mosca sobre a Carreta. ij
O Gíf^ , e a Imagem. . . i^
O Li?i7^ , Fisra-ií , Cabra , e Ovelha. 17
O Casamento do Sol. . - p 19
O Homem , .^ ia? Doninha. . 20
A Bogia , e a Ramosa. • • ^^
Juno , ^ ^ Pavão. . . ^3
O Lobo , íf o Gr^//. . ^ • ^^f
^j ^í^iía:j Qad^llas. . • ^7
,0 Homem ^ e a Cobra. ... 2^
O ^x/?<? , ^ ^ Leão. . • 3^
O Rato Cidadão i e o Montezinho. 31
A Águia ;. e a:Raposa. \ / ; 33
O Gallo 5 e a Raposa. . «34
O Bezerro , ^ o Lavrador. . 36
O Lobo , ^ é^ Gari». . \. . 57
Oj- Membros , ^ ^ C^/?^. . 3^
A Águia , ^ ^ Cerexa: . .41
^ Raposa ^ e o Corvo. . . . 4^
O Lif iíá' 5 ^- os outros Animaes. 44
As Rãs y e Júpiter. . . 45:
uííx Pombas , ^ ^ FalcaS. . 47
O Piír/ô í^-íí iTerra. . . 49
O Gijr/^^ velho , ^ j*^í^ -^w^, JO
^j- Lebres , ^ iiá>, . . 5:2
O Z/<?^^ 5 e o Cabrito. . • S^
O Cervo , o Lobo ^ e a Ovelha. ^^
A Cegonha 5 e a Raposa. . 56
A Gralha , e os Pavões. . $7
A Formiga , e a Mosca* . ^^
ARã\ e o Touro. . . .60
O Cavallo , e o LeaS. . ■ . 6%
As Aves 5 e o Morcego. . 63
O Cavallo , e o Asno. . . 65'
O Falcão \ e o Rouxinol. . (>(>
As Arvores , e o Machado. 68
O Asno 5 '^ ^ Mercador. % 69
O i?^/í> , e a Doninha. • ♦ 70
A Raposa y easUvasi . •72^
o Pastor j e o Lobo. . 73
O Asm , e a Cachorrinha. . j^
O Leaõ ^ e o Rato. • . 76
O Milhafíú , ^ sua MM.- ■ . 78
-/í P^rr^í , ^ ^ Ltf^^. • . 79
O ^<?/6í> , ta Mosca. • . 81
O Corduiro ^ e o Loboi ; . . 81
O Homem pobre , ^ i9f Cobra. . 84
Ô iPíg/^ , o Lobo 5 ^ Rapoza. . %$
A Faia y e a Cananoura. . 87
A Formiga ^ e a Cigarra. . 88
O Caminhante , ^ i9f Espada^ . 89
O uálrw 5 e o Leaõ. . • 91
A Gralha , ^ a Ovelha. . 9a
O Boi y € o Veado. • . 94
O Hom>em , ^ ^ L^irí. . . 95
O Z/^/zí? , e a Rapoza. . . 97
OleaS y e outros Animaes. . 98
O /^^ar^fo , ^ o CflÇador. . 99
^ Bicha ) ^ ^ Lima. . . .- 10 1
O.r Carntiros , ^ ^ Carniceiro. lox
O Z/^^í9 5 r ^ ^/»^ doente. . 104
A Pulga y e oflamello. . 10$
O Caçador , e as Aves. . . 106
O Cen*^ , e o Cavallo. . . 108
O Buitre , ^ wz^/j Pássaros. 109
A Raposa y e o LeaS. . • iio
O
o Carneiro grande , e pequenos. 1 12
O Leão , e o Homem. » :^ . 115
SU P PL.E m/e NÍ O. ^
\d Pane lia de barro , e a de cobre. 115:
O Áspide 5 ^ x^« hospede. • 117
OCaõ ^ esèuDono. . . n8
^ Raposa y e a Doninha'. . 1 19
A Nora y e ík Sogra. . . 120
O Asno ^ e aCowa. . . 122
O C(9rTO > tf £í EscorpiaSv . 123
O Ladrão y e oAnjOé.. . 124
^ 5/VÃ/í 5 tf o Cabrito. ■ . ii6
ARapaza^ e o LeaS-. ]' .. . 127
Hercules , e os Pigmeos. . 128
O CaCador , e a Bicha. . 129
A Cigarra y e a Andorinha. * 131
O Soldado 5 tf í» Pi/ano. . 132
Ó Homem ^ e a Burra. . 133
L/.
livrai " impreffot per Fr.vncisco Rollavu*
ImpreJfor^IAvrelro cm JLís^««
A
VENTURAS de Telfsmaco , com Notas »
em S.
Atlas moderno com '24 Mappu » em !•
Adágios da Lingua Portúgueia 9 em S.
Arte de Pregar fegun do o Efpírito do Evange-
lho , em &. •
Arte Poética de Horácio por Caadido Lufieano«
tm%. ...
^vifos Relígiofospor bum Beoedtâino » em S;
4 Vol.
Amigo do Príncipe , e da Pátria » em 8»
Belizario de Marmontel . em S.
Bom Lavrador , ou o Apaixonado da Lavoura»
em 8.
JBoa (.avradpra 9 ou a Caieira Económica» em
8.
Cartas fobre as Modas de Lisboa » em H
17 $9,
Catecifmo Romano abbreviado » em 8*
Codumes dos Ifraelitas por FJeury « em 8.
iCoílumes dos CiiriO^áos pelo Hieímo • em 8. a
Vol.
Defcripçaó das Eoferroídades dos Exércitos ,
em 8.
Diário. do Cfariftaé , em ra.
Pifcurfo Cbhre o modo de. Cbmenílar a Indu^*
Uia. popular » am 8. .
Di»-
Diálogos dos Mortos para defabufar a Mocida-^
de , cm 8.
Defvarios da Razão . em g. j Vo). 17 S9.
Efcóla fundamentai -de Jèr « efcrever , e contar»
em 8 .
Elogios dos Reis de Portugal ^ em 8.
Efcolha das melhores Novellas , e Contos Mo«
raes , em 8. 6 Vol.
Elementos da Civilidade , augmentados com %
Arte de agradar na ConverfaçaÕ , e com o
Tratado da t)ança » em -8. 1 788.
Efpirito do Chrií^ianifmo , em 8.
Elementos da Poética de P. J. da Fonfeca »
em 8.
Fabulas de Efopo « com applícações moraes»
Secunda Ediçad^» corre âa » «emendada :
em 8. 1791*
Homem Efcnipulofo » cm 8.
Hiftoria de Carlos Magno, em '8. ) partes
em 2 Vol.
Hiíloria da VirtUofa Portugueza ,«m 8. 1788.
Jjiíloria Gerai de Portugal por la Clede » em
8. 14 VoK "'^
H ido ria Cerorl de Portugal por DamiaÓ An-
' tonio t em ^. 14 Vol,
Niíloria Univerfal de Millot , em 8. 9 Vol.
Hiftnria BcclofiafUca de Ducreux , em S. ^
Vol. . ,
Hifloria de Theodofio o Grande » em 8. ^
Héroifioioida Aniiáde , Poema »' em- 8.
Imitação de Chriílo por Kempis x tipa ia.
Iml*
Ittiitacaô da SS. Virgem , era 1 2.
Livro dos Meninos. Segunda Ediçaó corre-
. da* e.augm^nudà com as Sentença? de
Miiord Kint , em 8. 1791.
Laura de Anfrifo, Poefia? de Manoel da Vei-
ga y em S.
Mifcellanea Curiafa , e Proyeitofa • era 8/
JUiferere expofto em penfamentos $ &c. » em
Medicina Domeftica de Bucha n, era 8. 4 Vol,
1791.
Com brevidade fobllcareí os Temas $• e 6.
Naufrágio de Sepúlveda , Poema, em S.
Noticia da Mythologia > em 8.
Noites d*Young , com notas ; Segunda Edi-
ção coredla » e emendada pelo Traduâor
dos Séculos Chriilâos , e da Hiltoria de Por-
tugal de La Clede , em S. » Vol. 1791-
Noites ClementiiYas , Poema , em 8.
Obras do Marquez de Caraccioli « em 8, |
Vol-
Vcnâcm-fe fcparadamentc , « faher ; *
Defpedidas da Marechal , em S.
Retrato da Morte , em 8.
O Gozo de Si Mefmo , em 8. 1789.
Officio da Semana Santa, em 12. fig.
Orthografia da Lingua Portugueza por Duar«
te Nunes de Lyaô , èm 8.
Obras de Francifco de Sá de Miranda , em 8.
aVQl.
Obras
Obrai de Domingos dos Reis Quitas cm S.
a Vol.
Parai lo Perdido , « Reftaurado , Poemas de
Milton, em S. 2 Vol. 17^!?.
Pancgyricos , e Difcurfos Evangélicos , eni
8. 4 Vol.
Perfeito Pedagogo , em li.
Peregrinação de hum Chriftaó , em í.
Prática da DevoçaÓ do Coráçaó de Jefus , crfr
S.
Reflexões fobre a Mifericordfa de Deos » em
"8.
Reflexões fobre a vaidade dos Homens , em
8. '] ^:
Regras da Verfificaçaõ Portugúeza , em 8.
Secretario Portuguez , com 2 Supplementos*
em 8 .
Sciencia dos Coílumes > Ethica Chriílã » em 8.
Syntaxe Latiita -expifcada , em 8.
Tratado das Obrigações da Vida Chriftã , em
8. 2 Vol.
Tratado das Aguas das Caldas • em 8.
Thefouro de Pregadores , em 8. 2 VoL
Theatro Eftrangeiro , em 8. '6 Num.
Vida de Chriílo na Eucariftia , em 8.
Vida de D. Joaô de Caftro , em 8. fig.
Cem
I
i